Brasília – A maioria dos pagamentos feitos por 143 deputados que contrataram serviços de uma gráfica de fachada com recursos da Câmara era feito em espécie, segundo o proprietário dessa firma, o vendedor Edvaldo Francisco de Oliveira. A Gráfica BSB não tem máquinas, bobinas ou funcionários e estava “sediada” numa casa simples em Ceilândia, conforme reportagem publicada em primeira mão em 12 de abril do ano passado. Mesmo assim, faturou R$ 1,79 milhão entre 2009 e 2014, até fechar as portas, de acordo com registros da Câmara do chamado “cotão”, verba multiuso que é paga aos parlamentares mediante reembolso. A reportagem procurou deputados da relação de clientes, mas nenhum informou a forma de pagamento. Os maiores fregueses foram o ex-governador Carlos Bezerra (PMDB-MT), com gastos de R$ 392 mil, o deputado Padre João (PT-MG) e o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA).
Doze deputados e ex-deputados são responsáveis por 84% dos repasses para a gráfica de Edivaldo no período. Entretanto, ao contrário da suspeita da Receita, alguns afirmaram que os serviços foram prestados. A assessoria de Padre João disse que a empresa “sempre cumpria o ajustado”. Nenhum admitiu ter relações com o dono da gráfica.
LARANJA DE POLÍTICO Na sexta-feira, Edvaldo não quis explicar se os parlamentares pediam para pagar em espécie. “Não tenho nada a esclarecer a vocês”, disse ao jornal, antes de desligar o telefone. O ativista Lúcio “Big” Batista, do movimento Operação Política Supervisionada (OPS), enviou duas denúncias com casos semelhantes às autoridades. Ele suspeita que o dono da gráfica repassa parte do que recebe para congressistas. “Ele é laranja, um cara que faz acordo só para emitir nota fiscal”, afirma. “Fica com uma parte bem pequena e o restante repassa para político ou o partido”, diz ele. Os investigadores da Receita têm essa mesma impressão.
Os auxiliares do deputado Padre João descartaram qualquer irregularidade nos contratos, que não são feitos há mais de um. “O assunto seguiu os trâmites de praxe da Casa, que, certamente, se alguma falha houvesse, cuidaria das providências atinentes”, disse. Ao contrário, a Câmara disse que quem atesta se os serviços foram efetivamente prestados é o próprio deputado: “O parlamentar assina um ato no qual declara inteira responsabilidade pela liquidação da despesa”. A assessoria da Casa diz que as regras não tratam da forma de pagamento ideal.
Por meio de assessores, Waldir Maranhão se limitou a dizer que não foi informado dos fatos por autoridades, mas que está disposto a colaborar com as investigações. O deputado Carlos Bezerra não prestou esclarecimentos, mas, no ano passado, sua assessoria disse que ele não poderia comentar irregularidades: “Cabe ao órgão competente da Câmara a realização da triagem de empresas aptas a prestarem serviços à Casa”. Também na ocasião passado, Edvaldo disse que seu contato com o gabinete de Bezerra era uma pessoa chamada Samuel. Um assessor do deputado Marcon (PT-RS) não esclareceu se os produtos foram entregues, mas afirmou disse que Edvaldo era “bastante conhecido” na Casa. Todos os 12 parlamentares que mais gastaram com a gráfica de fachada foram procurados pela reportagem, mas a maioria não se pronunciou.
Ainda que os impressos tenham sido entregues, o depoimento de Edvaldo à Receita indica que os deputados poderiam ter economizado o bolso do contribuinte em meio milhão de reais. Segundo a reportagem apurou, o comerciante disse que atuava apenas como agenciador de serviços. Do valor recebido dos clientes, 70% iam para o tal “Zezito”, mas não há nenhum contrato ou comprovante disso. Ou seja, a intermediação custou aproximadamente R$ 500 mil aos cofres públicos. O “cotão” não exige licitação. Cada um dos 513 gabinetes dos deputados tem R$ 92 mil por mês de cota para gastos com passagens aéreas, hospedagem, divulgação do mandato, alimentação, segurança e despesas postais e telefônicas. À exceção dos bilhetes de avião, o valor é pago mediante reembolso. Segundo a Câmara, “peculiaridades” impedem o uso de licitações, como o fato de o deputado atuar em todo o país, o que geraria “alta complexidade de logística para aquisição e entrega dos produtos”, e os diferentes perfis de gastos de cada congressista.
‘Requerimentos não valem nada’
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou no programa Mariana Godoy Entrevista, da Rede TV, no fim da noite de sexta-feira, que requerimentos contra empresa investigada na Operação Lava-Jato podem ter sido feitos com a ajuda de funcionário de seu gabinete que buscava auxiliar a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), que assina o documento. Segundo o doleiro Alberto Youssef, os requerimentos, com pedidos de informações sobre contratos da Petrobras, teriam sido elaborados por Cunha para pressionar o pagamento de propina ao PMDB. Apesar de assinados por Solange Almeida, os documentos são, conforme servidor da Câmara informou em diligência da Lava-Jato, criados a partir de uma “senha pessoal e intransferível” em nome do usuário “Dep. Eduardo Cunha”. “Vários funcionários meus têm a minha senha, que é acessada por qualquer computador da Casa”, disse Cunha durante a entrevista de 30 minutos. “Mesmo que eu tivesse sido o autor, esses requerimentos não valem nada”, disse o presidente da Câmara, que até tocou bateria, algo inusitado.