Depoimento à CPI da Petrobras revela escárnio de doleira ligada a Youssef

Na CPI, Nelma Kodama canta Amada amante, nega ter levado euros na calcinha, atribui a crise econômica ao fim do esquema de propina na estatal e promete delatar bancos se fechar acordo

Eduardo Militão
Nelma negou que tentava fugir do Brasil quando foi presa e disse que levava os 200 mil euros no bolso - Foto: J.Campos/Gazeta do Povo

Brasília – Condenada a 18 anos de prisão por evasão de divisas, a doleira Nelma Mitsue Penasso Kodama saiu ontem de sua cela em Curitiba para depor na audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras na cidade e zombar dos deputados que a ouviam, no auditório da Justiça Federal do Paraná. Ela foi presa em flagrante no aeroporto de Guarulhos (SP) em março do ano passado, quando tentava fugir para a Itália com 200 mil euros escondidos na calcinha. Para negar a acusação feita pela Polícia Federal, Nelma se levantou, virou as costas para os parlamentares e colocou as duas mãos nos bolsos traseiros da calça jeans. “O dinheiro estava aqui”, descreveu. A plateia riu.

A doleira disse que negocia uma delação com o Ministério Público e prometeu entregar gerentes de instituições financeiras que facilitavam a lavagem de dinheiro. “Os bancos ganham e eu vou detalhar isso na minha delação”, afirmou. “Tenho documentos que provam que os bancos, os gerentes-gerais, estão envolvidos”, garantiu, antes de voltar ao tom de escárnio, ao afirmar que a corrupção da Petrobras movimenta a economia brasileira. “Quando parou a corrupção, o Brasil parou”, disse Nelma.

“É o que eu chamo no meu mercado de bike, bicicleta: um santo descobrindo o outro. Estamos na corrupção da Petrobras, dos empreiteiros, e o que aconteceu: o país entrou em crise, numa recessão”, disse.

De acordo com a Polícia Federal, Nelma era pivô de um dos quatro núcleos de doleiros que fizeram operações de câmbio ilegais na Operação Lava-Jato, ao lado de Alberto Youssef, de quem era amante, Carlos Habib Charter e Raul Henrique Srour. Ela disse que era bem mais que uma namorada de Youssef. “Depende do que o senhor chama de amante”, disse Nelma ao responder o deputado Altineu Côrtes (PR-RJ). “Eu vivi maritalmente com ele. Amante é uma palavra que engloba tudo, né? Ser amiga, companheira. Uma coisa bonita.” A doleira fez graça novamente ao cantar trecho da música Amada amante, de Roberto Carlos, cujos primeiros versos dizem: “Esse amor demais antigo/ amor demais amigo/ que de tanto amor viveu/ que manteve acesa a chama/ da verdade de quem ama/ antes e depois do amor/ e você amada amante/ faz da vida um instante”. O presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB-PB), interrompeu a cantoria.

Ontem, Nelma disse que não se sentia injustiçada com a condenação, mas com o tempo de 18 anos de cadeia. “Não concordo com a dosimetria da pena”, disse ela aos deputados.

COXINHA Os três ex-deputados investigados na Lava-Jato também prestaram depoimento ontem à CPI. De início, eles afirmaram que não prestariam nenhum esclarecimento, mas acabaram comentando o caso de corrupção na Petrobras de maneira superficial. Os três estão presos em Curitiba.

O ex-vice-presidente da Câmara André Vargas (ex-PT do Paraná) negou irregularidade e disse que sua relação com Youssef era lícita. “Eu o conheço há mais de 30 anos”, disse o ex-parlamentar, expulso do PT. “Eu o conheci vendendo coxinha no aeroporto de Londrina.

Depois dele ter cumprido pena, ele se transformou no proprietário do maior hotel de Londrina e é sócio ainda de um grande hotel em Aparecida do Norte, com a empresa católica.” Segundo Vargas, nada foi feito às escondidas. “Ele é um empresário e eu mantive um relacionamento à luz do dia com ele.” O ex-deputado afirmou ainda que não reconhece “nenhum repasse” de Youssef para ele. “Porque não ocorreram”, assegurou Vargas.

O ex-deputado Luiz Argôlo (SD-BA) garantiu que é inocente. “Só posso dizer que os humilhados um dia serão exaltados. Isso está na Bíblia. Todo mundo erra. Até Jesus Cristo, que era filho de Deus, errou.” Argôlo era do PP, partido para o qual Youssef trabalhava. Ele disse que a relação com o doleiro sempre foi legal. “Conheci Youssef como empresário que tinha investimento na Bahia. Eu tinha uma relação privada com ele.

Se agora ele virou criminoso, doleiro, eu não tenho nada com isso. Ele já tinha investimento no estado da Bahia e eu o conheci depois de eleito deputado federal.”

Segundo o ex-parlamentar, eles foram apresentados “na casa dos deputados Mário Negromonte e João Leão (hoje vice-governador da Bahia)”. “Não o conheci com sacola de dinheiro nem como doleiro”, disse Argôlo. “Não recebi doação nenhuma de construtora em 2010.” Também prestou depoimento ontem o réu condenado por tráfico René Luiz Pereira.

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Homenagem a Nice

A canção Amada amante foi composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Segundo a biografia não-autorizada Roberto Carlos em detalhes, do historiador Paulo César de Araújo, a letra é do Rei e a melodia, do Tremendão. A canção foi lançada em 1971 e mostrava seu amor por Cleonice Rossi Martinelli, a Nice. Ela se casara com um empresário, mas terminou o relacionamento por incompatibilidade, uma pequena revolução para a época, segundo Araújo. Ela conheceu Roberto Carlos em 1966. Outros versos dizem: “Esse amor sem preconceito/ sem saber o que é direito/ faz as suas próprias leis”. Num primeiro momento, a música foi censurada pela ditadura militar.

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