Força-tarefa da Lava-Jato oferece denúncia contra quatro ex-deputados investigados

Políticos tiveram participação no esquema de propina na Petrobras, que movimentou quase R$ 6,2 bilhões

João Valadares
Recepção de herói Com recepção de celebridade, o juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Operação Lava-Jato, participou ontem à noite, em São Paulo, do lançamento do livro Bem-vindo ao inferno, que conta a história de Vana Lopes, uma das vítimas do médico Roger Abdelmassih - Moro assina o prefácio da obra. Na livraria onde aconteceu o lançamento, na Avenida Paulista, manifestantes entoaram o hino nacional e gritaram "Fora, PT" na chegada do magistrado. - Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO

Brasília – Pela primeira vez, desde o início da Operação Lava-Jato, quatro políticos que não detêm mais mandatos eletivos e, portanto, perderam o foro privilegiado, foram denunciados no esquema de corrupção da Petrobras que pagou quase R$ 6,2 bilhões em propinas a partir de um cartel de empreiteiras. Na tarde de ontem, considerado um dia simbólico, os procuradores da República que investigam a organização criminosa montada para abastecer partidos políticos e financiar campanhas eleitorais com dinheiro sujo ofereceram denúncia à Justiça Federal contra os ex-deputados André Vargas (sem partido-PR), Luiz Argôlo (SD-BA), Pedro Corrêa (PP-PE) e a filha dele, Aline Corrêa (PP-SP). As acusações indicam crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. Novas denúncias contra esse mesmo núcleo ainda vão ser feitas.


Outros nove integrantes, sendo três operadores financeiros e seis pessoas próximas aos políticos, também foram enquadrados. Destacam-se o doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da quadrilha, o seu funcionário Rafael Ângulo, que fazia a entrega da propina, o ex-executivo da Agência Borghi Lowe Ricardo Hoffmann e os irmãos de André Vargas, Milton e Leon Vargas. “Hoje é o primeiro dia em que se oferece acusações criminais contra pessoas que estão dentro de núcleos políticos”, afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador das investigações.


De acordo com a denúncia dos procuradores, Vargas é suspeito de receber dinheiro por meio de duas empresas fantasmas. A LSI e a Limiar já foram registradas em nome dele e hoje estão oficialmente na mão de seus irmãos. A Procuradoria-Geral da República sustenta que o ex-deputado é o controlador das contas das firmas, apontadas como de fachada.

Só uma teve um único funcionário registrado por curto período de tempo.


Mesmo assim, receberam dinheiro de empresas vinculadas a órgãos do governo, o Ministério da Saúde e a Caixa. Na Saúde, a agência de publicidade Borghi Lowe faturou R$ 126 milhões para serviços de comunicação, subcontratando produtoras. Essas empresas ganharam R$ 2,6 milhões da Borghi e mais R$ 320 mil da Propeg, outra contratada do ministério. Ao elaborar os vídeos, repassaram o bônus de volume, mais conhecido no meio publicitário como BV, para LSI e Limiar. As produtoras informaram que fizeram o repasse a pedido da Borghi.


Os investigadores apontam que Argôlo tinha uma espécie de sociedade com Youssef. Mensagens de celular trocadas entre os dois revelaram o grau de intimidade. Eles se tratavam como “amor” e “bebê”. “Ele criou relação de sociedade com Youssef. Muitas vezes, Alberto repassava dinheiro diretamente para Argôlo”, salientou o procurador Paulo Galvão, destacando que o ex-deputado foi 78 vezes ao escritório do doleiro.

VIAGENS Segundo o Ministério Público Federal, em pelo menos 40 viagens, o ex-parlamentar utilizou recursos da Câmara dos Deputados, com custo total de R$ 55,2 mil. De acordo com o procurador, Argôlo tentou viabilizar, por exemplo, um empréstimo do Banco do Nordeste ao hotel de Youssef. Uma reunião chegou a ser agendada entre funcionários do doleiro e o banco no ano passado, por intervenção do então deputado. “O valor não é tão expressivo, R$ 55 mil. Mas moralmente é muito relevante, porque a gente vê um deputado federal utilizando recursos públicos em benefício próprio, em interesse ilícito”, disse Dallagnol.


Com relação a Pedro Corrêa, os crimes denunciados foram de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa.

“Pedro Corrêa era um dos responsáveis pela distribuição interna do PP e recebeu valores específicos em benefício próprio”, afirmou o procurador.
Durante a entrevista, Dallagnol cobrou uma mudança no sistema penal. “O total efetivamente devolvido foi por meio de colaboração, dependendo sempre do final dos processos criminais. A devolução dos valores pode levar, 10, 15 20 anos. Enquanto não tivermos uma reforma do sistema recursal teremos períodos (para recuperação de dinheiro desviado) tão grandes como esse.”

BLOQUEIO Ainda ontem, o MPF anunciou ontem que a Justiça determinou o bloqueio de R$ 241 milhões da construtora Camargo Corrêa e da Sanko Sider e outros R$ 302 milhões da Galvão Engenharia. As três empresas são citadas na Lava-Jato. Somado com outras quantias retidas em abril, como os R$ 153 milhões da Engevix, o  bloqueio das contas de construtoras chega a R$ 697 milhões.

 

A Lava-Jato em números

R$ 6,194 bilhões
Estimativa total de propinas

R$ 6.770.634.501,77
Total geral de reparação pedida (danos mais multas)

R$ 2.565.929.709,71
Total geral devolvido ou bloqueado

R$ 1.986.279.586,73
Total bloqueado

R$ 942.061.651,88
Total bloqueado no exterior

R$ 1.044.217.934,85
Total bloqueado no Brasil

R$ 579.650.122,98
Total devolvido por acordos

 

Os denunciados
e seus crimes

» Ministério Público denuncia parte do grupo político, dividido em três núcleos, do esquema de corrupção na Petrobras.

1 – Núcleo André Vargas

André Luiz Vargas Ilário, ex-deputado federal pelo PT

Corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa
3 atos de corrupção ativa, 64 atos de lavagem de dinheiro e um ato de organização criminosa
Valor envolvido: R$ 1,1 milhão

Demais integrantes
Leon Dênis Vargas Ilário, irmão do ex-parlamentar
Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa

Milton Vargas Ilário, irmão do parlamentar
Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa

Ricardo Hoffmann, ex-executivo da agência Borghi Lowe
Corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa

2 – Núcleo Luiz Argôlo


Luiz Argôlo, ex-deputado federal pelo Solidariedade (SDD)
Corrupção, lavagem de dinheiro e peculato.
10 atos de corrupção, 10 atos de lavagem de dinheiro e 93 atos de peculato
Valor envolvido: R$ 1,6 milhão
78 visitas ao escritório do doleiro Alberto Youssef
40 viagens realizadas com recursos da Câmara dos Deputados

Demais integrantes
Alberto Youssef, doleiro e um dos principais delatores do esquema
Corrupção e lavagem de dinheiro

Rafael Ângulo Lopez, subordinado a Youssef. Fazia a entrega do dinheiro sujo
Corrupção e lavagem de dinheiro

Carlos Alberto Costa, advogado ligado a Youssef
Corrupção e lavagem de dinheiro

3 – Núcleo Pedro Corrêa

Pedro Corrêa, ex-deputado federal pelo PP
Corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato
280 atos de corrupção passiva, 569 atos de lavagem de dinheiro e 123 atos de peculato
Valor envolvido: R$ 398 mil

Demais integrantes
Aline Corrêa, ex-deputada
e filha de Pedro Corrêa
Peculato

Ivan Vernon, ligado ao PP, trabalhava na segunda secretaria da Câmara
Lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa

Márcia Danzi Corrêa de Oliveira, nora do ex-deputado Pedro Corrêa
Lavagem de dinheiro e organização criminosa

Alberto Youssef, doleiro e um dos principais delatores do esquema
Lavagem de dinheiro

Rafael Ângulo Lopez, subordinado a Youssef
Lavagem de dinheiro

Fábio Corrêa Neto, filho do ex-deputado Pedro Corrêa
Lavagem de dinheiro e organização criminosa

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