A estimativa do MP é de que 80% dos suspeitos, que incluem parentes e empresas ligadas a famílias de políticos, sejam condenados pela Justiça. “É um descumprimento que alimenta o mercado de investimento em campanhas, movimentado principalmente por pessoas jurídicas. Não há outra explicação se não o fato de querer ficar bem com a administração”, afirma o coordenador eleitoral do MP, o promotor de Justiça Edson Resende. O promotor ressalta que, ao investir nesse setor, doadores não levam em conta questões ideológicas e apostam as fichas inclusive em candidatos adversários.
A legislação eleitoral define que pessoas físicas podem doar às campanhas até 10% de seu rendimento bruto no ano anterior ao pleito. Já as empresas são autorizadas a doar até 2% de seu faturamento no ano anterior à eleição. Infratores estarão sujeitos a sanções como multas de cinco a 10 vezes a quantia em excesso, inelegibilidade, no caso de pessoas físicas, e à proibição de participar de licitações ou firmar contratos com o poder público, em condenações envolvendo empresas. “O índice de condenação é grande, por se tratar de uma questão matemática”, reforça o promotor.
A lista de doadores de campanha sob suspeita foi elaborada pela Receita Federal a partir do cruzamento da prestação de contas fornecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com as informações de renda declaradas por contribuintes e empresas. “Baseados nessas informações, observamos que algumas pessoas doaram em excesso”, disse o chefe da Divisão de Fiscalização da Receita Federal em Minas Gerais, Warlen Pereira. O levantamento nacional foi repassado aos MPs estaduais.
MILHÕES As 362 empresas investigadas em Minas doaram R$ 35,7 milhões às campanhas, quase seis vezes mais do que as 4.507 pessoas físicas, que investiram R$ 6,1 milhões nas eleições. O mesmo movimento foi observado no Brasil. A lista nacional da Receita indica que 3.875 empresas doaram R$ 321 milhões a candidatos e partidos, contra R$ 75,4 milhões depositados por 44.465 contribuintes apontados como doadores em excesso em todo o país.
No topo da lista de suspeitos em Minas está uma empresa que doou, no total, R$ 12 milhões a campanhas de diversos candidatos. O dinheiro é suficiente para eleger oito deputados federais – quem conquistou vaga na Câmara dos Deputados no ano passado gastou, em média, R$ 1,5 milhão. Entre as pessoas físicas investigadas, a maior doação veio de uma mulher, que desembolsou R$ 220 mil no pleito de 2014.
O coordenador eleitoral explica que há duas situações que podem livrar doadores de condenações. “Quando se trata de empréstimos de bens móveis e imóveis a campanhas, como carros e casas, por exemplo, o limite de doação é de R$ 50 mil”, afirma Resende, ressaltando que isso será analisado caso a caso. Outra possibilidade de inocência são pessoas físicas isentas de declarar o Imposto de Renda, aquelas que receberam menos de R$ 25,6 mil em rendimentos tributáveis em 2013. Se elas tiveram doado até R$ 2,5 mil, 10% do rendimento, não responderão a processo por crime eleitoral. O MP concluirá as proposições de representação em 17 de junho.
O QUE DIZ A LEI
» Pessoas físicas
Podem doar até 10% de seu rendimento bruto no ano anterior à eleição. A exceção são empréstimos de bens (carros, imóveis, equipamentos), desde que o valor estimado do uso não ultrapasse R$ 50 mil. A infração da regra pode levar a multa no valor de cinco a 10 vezes a quantia em excesso, além da inelegibilidade.
» Empresas
Podem doar até 2% de seu rendimento bruto no ano
anterior à eleição. Além de levar multa no valor de cinco a 10 vezes a quantia excedente, caso infrinjam a regra, as empresas ficam proibidas de participar de licitações públicas e firmar contratos com o poder público pelo período de cinco anos.
» DOAÇÕES EM EXCESSO
Contribuintes
Quantidade Valor doado (R$)*
MG 4.507 R$ 6,1 milhões
Brasil 44.465 R$ 75,4 milhões
Empresas
Quantidade Valor doado (R$)*
MG 362 35,7 milhões
Brasil 3.875 321 milhões
*O montante corresponde ao total doado por essas pessoas, e não apenas o valor acima do permitido pela legislação eleitoral
Fonte: Receita Federal
INVESTIMENTO ALTO
» Confira abaixo os maiores
valores que doadores
sob suspeita em Minas destinaram às campanhas políticas:
Empresas
1º R$ 12 milhões
2º R$ 1,08 milhão
3º R$ 985 mil
Contribuintes
1º R$ 220 mil
2º R$ 195 mil
3º R$ 181 mil
A caminho da malha fina
As 4.869 pessoas físicas e jurídicas que doaram acima do valor permitido em campanhas políticas estão prestes a cair na malha fina da Receita Federal. O crime eleitoral serve como pista para flagrar contribuintes que também tenham cometido infrações tributárias. “A lista (de doações em excesso) serve como indício de infração fiscal. Se a pessoa declarou que está doando milhões e, para a Receita, informa não ter renda, é preciso investigar”, afirma o chefe da Divisão de Fiscalização da Receita Federal em Minas Gerais, Warlen Pereira.
O órgão vai analisar todos os casos de 4.507 pessoas físicas e 362 empresas que doaram acima do estabelecido pela Lei Eleitoral. Segundo Pereira, a fiscalização dará prioridade para solucionar situações que envolvam volume financeiro maior. “A Receita vai avaliar aquilo que tiver maior interesse fiscal. Isso depende do valor provável do crédito tributário que será constituído”, explica.
A maior parte dos doadores em excesso, um total de 3.856 contribuintes, são pessoas que não declararam o Imposto de Renda por omissão ou porque são isentas dessa tarefa. E a fiscalização não fará vista grossa nem para os isentos – aqueles que receberam menos de R$ 25,6 mil em rendimentos tributáveis ao longo de 2013, ano de referência para doações eleitorais do ano passado. Quem doou mais de 10% desse valor – R$ 2,5 mil – já terá problemas com a Receita. (FA)
Reforma no Congresso
O financiamento de campanha é um dos pontos mais espinhosos da reforma política em tramitação no Congresso Nacional, que começa a ser votada em plenário em 10 dias. Apesar da pressão da sociedade e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) para o fim das doações de empresas, o parecer apresentado pelo relator da reforma política, deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), mantém o modelo atual, com algumas restrições. O relatório será votado na comissão especial na Câmara dos Deputados na terça-feira.
O relator sugere que empresas possam doar para partidos, e não mais diretamente para os candidatos. A proposta prevê a fixação de tetos (em percentuais e números absolutos), que deverão ser definidos por lei específica. Segundo o relator, a legislação vai detalhar pontos como a proibição de doação de pessoas jurídicas fora do período eleitoral e por empresas que têm contratos com o poder público.
A Colizão Democrática, movimento que reúne diversas entidades pela reforma política e eleições limpas, luta por mudança radical no financiamento de campanha, com a proibição de doações por empresas, por considerá-las um canal para a corrupção eleitoral. Em votação no Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros também estão inclinados a considerar o financiamento privado inconstitucional, mas o julgamento está suspenso, sem data para ser retomado. (FA)