Estiagem coloca 92 cidades mineiras em estado de emergência

Situação é mais complicada porque o período de seca está apenas começando. Na zona rural, falta pasto e o gado definha. Na zona urbana, água potável já é racionada

Alessandra Mello
Barragem de São Domingos, que abastece Francisco Sá, tem apenas 8% da capacidade. Município já começa a enfrentar racionamento - Foto: Luiz Ribeiro/ EM/D.A Press

“Desesperadora.” É assim que o prefeito de Virgem da Lapa, no Vale do Jequitinhonha, Harley Lopes (PT), classifica a situação vivida pelo município, que decretou, em fevereiro deste ano, estado de emergência em função da estiagem. O município de cerca de 14 mil habitantes é uma das 92 cidades mineiras que já decretaram situação de emergência ou calamidade pública em função da seca ou estiagem, a maioria delas localizada no Norte e no Vale do Jequitinhonha. O número de cidades em situação de emergência em função da falta de chuvas é considerado alto pela Defesa Civil, principalmente porque a maioria delas (82) decretou emergência este ano bem antes do período oficial de estiagem, que começou este mês. Teoricamente esse período se estende até outubro, mas a expectativa é de que se prolongue além do previsto.


Segundo Harley Lopes, a região sempre sofreu com a falta de água, mas a seca prolongada, que já vai para seu quarto ano consecutivo, tem deixado a situação “inviável”. “Não vamos colher nada este ano. Tudo que plantou morreu. Até choveu um pouco, semana passada, mas não tem nada para molhar”, afirma o prefeito, que, sem dinheiro nos cofres públicos, está dividindo com os moradores os custos do óleo diesel do maquinário do município, que vem sendo usado para construir pequenas barragens nas propriedades particulares para garantir pelo menos uma parte da produção agropecuária.

“E vai piorar. Muito”, alerta o prefeito de Francisco Sá, cidade de cerca de 26 mil habitantes, Denilson Silveira (PCdoB), também presidente da Associação dos Municípios da Bacia do Médio São Francisco (Amesf).

Segundo ele, a barragem de São Domingos, que abastece a cidade, está com apenas 8% de sua capacidade e a cidade já enfrenta racionamento de água potável desde dezembro. Dia sim, dia não, parte da população fica sem água nas torneiras. “Nosso município já ultrapassou a situação de calamidade pública. Imagina daqui pra frente”, afirma o prefeito, que também já decretou estado de emergência. Segundo ele, cerca de 70% dos rios e riachos que fazem parte da Bacia do São Francisco já secaram. Mais da metade do rebanho bovino foi vendido nos últimos meses. “Já chegamos a ter na cidade 180 mil cabeças de gado. Hoje não temos 80 mil. O pasto não existe mais”, relata.

Na zona rural, conta o prefeito, alguns produtores fizeram canais para coletar a água da chuva que não veio e só perderam dinheiro. O governo do estado, segundo ele, está retomando a construção de barragens para tentar amenizar os problemas. Junto ao governo federal, os prefeitos, segundo ele, reivindicam a renegociação das dívidas dos produtores rurais com os bancos federais. A população, acrescemta, já começa a migrar para a zona urbana e muitas famílias estão indo embora para cidades maiores, principalmente Montes Claros, cidade polo do norte-mineiro.

Estagnação

Em Capitão Enéas, cidade do Norte do estado com cerca de 16 mil habitantes, que também já decretou estado de emergência, a economia em toda a região está estagnada, alerta o prefeito César Emílio (PT), presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams). Segundo ele, 90% da lavoura foi perdida, mais de 50 mil cabeças de gado foram vendidas no município no último ano por falta de pasto e água para manter o gado.

A pecuária leiteira enfrenta forte crise em toda a região.

“Muitos produtores estão encerrando a atividade leiteira, e olha que nem bem começou o período de estiagem. Nossa preocupação maior é quando chegar o período crítico da seca”, afirma. Emílio diz que a situação é grave em toda a região mineira da Sudene e que o risco de faltar água para beber em várias cidades é grande.

O prefeito de Manga, Anastácio Guedes (PT), cujo município também decretou estado de emergência em função da falta de chuvas, disse que a seca que se arrasta há quase quatro anos a cada dia piora mais. “Em plena temporada de chuvas chegamos a ficar 53 dias sem uma gota”. Para ele, a solução, além da construção de barragens, é a revitalização dos rios. “Não adianta fazer barragem se não tem água nos rios para captar”, afirma. Segundo ele, a principal ajuda que tem chegado até agora são caminhões-pipas para abastecer a zona rural. “Mas não tem água para o gado e nem para a lavoura.”

Para piorar a situação, a retração da indústria nacional já provoca queda de receita e, consequentemente, dos repasses feitos pelos governos estadual e federal para as cidades. De acordo com o prefeito de Virgem da Lapa, o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) tem atingido valores semelhantes aos de 2011.

Saiba mais

Decreto

O decreto de emergência tem duração de 180 dias e é usado em situações de calamidade pública para tentar resolver de maneira mais rápida os problemas enfrentados pelos municípios. Ele facilita a assinatura de contratos e convênios com os governos federal ou estadual e permite ainda a dispensa das licitações para aquisição de produtos e serviços essenciais para resolver as demandas mais importantes das cidades.

A maioria dos decretos tem como origem o excesso de chuvas, inundações, estiagem – que é o atraso do período chuvoso – ou seca.

 

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