Brasília – O enfraquecimento político da presidente Dilma Rousseff fez com que o eixo de poder da capital federal se transferisse do Executivo para o Legislativo. O fórum de 27 governadores reunidos no Salão Negro do Congresso Nacional na semana que passou foi só mais um sintoma dessa transformação. Nas últimas semanas, deputados e senadores impuseram uma agenda à revelia do Planalto. Sindicalistas e empresários foram aos presidentes da Câmara e do Senado – Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), respectivamente – para negociar as pautas de interesse de classe. “É preciso ter claro que o governo fraco é a causa da instabilidade, é a causa da falta de apoio no Congresso, é a causa do fortalecimento das oposições das ruas, não o contrário”, afirmou o senador José Serra (PSDB-SP).
Mas a própria base tem responsabilidade nesse processo de isolamento de Dilma. Em outubro do ano passado, quando foi reeleita para o segundo mandato, a petista contabilizou uma base de apoio congressual que lhe garantiria, tanto na Câmara quanto no Senado, maioria folgada, que abrangia 70% dos parlamentares. Nas duas principais votações enfrentadas pelo Executivo até o momento – as medidas provisórias 664 e 665 –, contudo, os votos dados em apoio ao governo não atingiram 50% do total na Câmara.
Um dos petistas que andam em rota de colisão com o Planalto cita como justificativa para o divórcio o debate em torno do fator previdenciário. Ele lembra que, em 30 de abril, Dilma deu ao secretário-geral da Presidência, ministro Miguel Rossetto, a missão de coordenar uma mesa de negociação com empresários e sindicalistas a fim de apresentar alternativas ao fim do mecanismo. “Quase um mês depois, Rossetto não marcou uma reunião sequer. A Câmara aprovou a regra para a mudança e, agora, Dilma terá que assumir o desgaste de vetar a proposta”, comentou o parlamentar.
Mesa
Para tentar uma reaproximação com o Parlamento, o Executivo federal trouxe dois nomes de peso no Legislativo para estabelecer as pontes de intercomunicação. O vice-presidente da República, Michel Temer, tirou da aposentadoria o ex-secretário-geral da Mesa da Câmara Mozart Viana para auxiliá-lo na Secretaria de Relações Institucionais. Já o ministro da Fazenda, Joaquim Levy – que andava sobrecarregado na articulação política, problema parcialmente resolvido com a definição de que esse papel é de Temer – contratou, como assessora, a ex-secretária-geral da Mesa do Senado Cláudia Lyra.
Aliados de Renan negam que a escolha de Levy tenha o dedo do peemedebista alagoano. Atribuem a paternidade ao presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Como o titular da Fazenda é proveniente da mesma instituição financeira, seu antigo chefe teria indicado Cláudia Lyra, por conhecer o trabalho de articulação exercido por ela com os senadores.
Ex-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) diz “ser nítido que o governo tem problemas e que, por isso, torna-se natural que os movimentos sociais recorram ao Congresso para resolver as demandas que lhes interessam”. Para o peemedebista, o Parlamento passou a ser visto como o responsável pela segurança jurídica e pelo fortalecimento da economia do país. Atual titular do posto, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) lembra que, no modelo tripartite, é saudável para a democracia um Legislativo fortalecido. “A estrutura da democracia prevê poderes autônomos e independentes entre si”, minimizou.
Para Jerson Carneiro, professor de direito administrativo e gestão do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-RJ), o país vive um conjunto de crises — econômica, política, social e moral — que contribuem para dificultar o poder de influência do governo. “As forças políticas mais coordenadas têm que se unir, pois a sociedade brasileira é mais diversificada e está mais estruturada. Neste instante, essa tarefa está cabendo ao Congresso”, afirmou.