Sistema eleitoral afegão é o modelo defendido pelo PMDB para o Brasil

Fórmula que levou o Parlamento do país asiático ao clientelismo e marginalizou partidos é a base do distritão proposto pelo PMDB, que será votado nesta semana. PT e PSDB são contra

Bertha Maakaroun - enviada especial
Embora seja considerado um dos países mais corruptos do mundo pelos organismos de transparência internacional, o Afeganistão está na ordem do dia na Câmara dos Deputados: apelidado de distritão, o sistema eleitoral afegão é o modelo defendido pelo PMDB para a mudança do atual sistema proporcional misto em funcionamento no Brasil desde 1945.
A matéria vai a plenário na terça-feira, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciando arrebanhar 308 votos – maioria qualificada – em torno da proposta. Nada que espante a lógica individual: contas feitas, 91% dos deputados federais estariam reeleitos pelo distritão, com ampla liberdade para operar, pois se tornariam mais fortes do que os seus partidos políticos. As consequências desse modelo, que na década de 1990 faliu no Japão, são tão perversas que, antevendo graves problemas institucionais, velhos adversários se uniram: petistas e tucanos tentam derrotar o PMDB e aprovar o sistema distrital misto, algo próximo da bem-sucedida experiência alemã.


No Afeganistão, a fórmula do voto único não transferível, denominação acadêmica para o distritão, levou o Parlamento ao hiperindividualismo, ao clientelismo, à exacerbação da presença de interesses ilegais, como o narcotráfico. Nepotismo e incapacidade de partidos políticos mediarem e organizarem qualquer atuação legislativa dos representantes eleitos em torno de uma agenda são algumas das mazelas que decorrem do distritão naquele país. “Os líderes afegãos optaram em 2005 por esse sistema não só pela facilidade de compreensão, mas porque ele marginaliza os partidos políticos e enganosamente parece promover um elo direto entre o eleitor e os seus representantes”, afirma o cientista político Barnett R. Rubin, diretor-associado do Centro Internacional de Cooperação do Programa Afeganistão–Paquistão da Universidade de Nova York.

Só que o sistema eleitoral afegão está muito longe de aproximar o eleitor do deputado, sustenta Barnett Rubin. São 35 circunscrições – regiões eleitorais – que recebem cadeiras em número proporcional ao tamanho da população estimada.

Em cada uma delas, o eleitor escolhe um candidato. Aqueles que obtêm o maior número de votos se elegem. “Muitos candidatos concorrem, tornando enorme a pressão sobre os comitês eleitorais para a gestão do pleito. Apenas os majoritários na circunscrição conquistam o mandato, o que muitas vezes ocorre com menos de 1% dos votos daquele eleitorado”, avalia o premiado jornalista internacional Naveed Ahmad, que vive em Islamabad, no Paquistão, e está há mais de uma década na cobertura política do Afeganistão.

PÚBLICO RESTRITO

Em outras palavras, sem nenhum partido político que articule programas e plataformas, os candidatos eleitos representam o público restrito à sua base eleitoral.


Foi assim que o distritão levou o Afeganistão a um Parlamento não representativo, de líderes locais e de minorias organizadas, além de políticos assentados em fortes interesses comerciais nem sempre lícitos. Os deputados não têm incentivo institucional em cooperar uns com os outros em torno de temas de interesse público e com os programas do governo. Para obter maioria, o Executivo precisa de manobras inconfessáveis.

Em consequência, os escândalos são intermináveis, como o recente caso amplamente noticiado pela imprensa internacional – uma espécie de mensalão afegão: a compra de apoio pelo governo do ex-presidente Hamid Karzai, que antecedia a quase todas as votações importantes. Até os parlamentares da própria base governamental costumavam ameaçar se opor aos projetos se não recebessem a sua parte.

Os resultados do distritão no país são tão negativos, que neste momento o Afeganistão discute uma reforma política. “É o caminho inverso ao que pretendem algumas elites parlamentares brasileiras”, revela o especialista Barnett Rubin, que foi consultor especial do secretário-geral da ONU para o Afeganistão e o Paquistão e há mais de dez anos alertava para todos os problemas desse sistema eleitoral em diversos artigos publicados pelo The New York Times. “O sistema fica muito vulnerável à corrupção, uma vez que os deputados têm de responder apenas a quem os apoiou, ou seja, os poderosos que financiaram as campanhas. Por isso, é um parlamento extremamente fraco”, acrescenta Barnett Rubin.

Se de fato a reforma política ali ocorrer, o Afeganistão não será o único a abandonar a fórmula que, no mundo, só resiste na Jordânia – que não é democrática –; na minúscula Vanuatu, ilha paradisíaca no Pacífico que tem pouco mais de 200 mil habitantes; e nas Ilhas Pitcairn, território britânico no Pacífico Sul com 50 moradores. Na década de 1990, o distritão também caiu no Japão, alvejado por escândalos de financiamento de campanhas de membros do conservador Partido Liberal Democrata, o maior e há mais tempo no poder naquele país.

Na corrida de todos contra todos, ganha quem consegue mais apoio de grupos de interesse e de investidores dispostos a apostar grandes boladas numa base parlamentar “amiga” e independente de qualquer constrangimento partidário para atuar.

 

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