Brasília – A reforma política brasileira, com três significativas modificações aprovadas até o momento, que ainda será concluída na Câmara dos Deputados e posteriormente encaminhada ao Senado Federal, é um bicho estranho, uma espécie de mistão pouco lógico dos sistemas em vigor pelo mundo. A combinação de eleição proporcional sem lista pré-ordenada, cláusula de barreira inócua, fim da reeleição e financiamento empresarial para as legendas, na opinião de cientistas políticos ouvidos pelo Estado de Minas, significa uma reforma confusa, pela metade e sem parâmetros internacionais.
Em relação ao sistema político, segundo informações da comissão instalada na Câmara para debater o tema, 57% dos países do mundo adotam o proporcional com lista, 26% majoritário distrital e 15% o distrital misto. Outros 2%, a exemplo de Jordânia e Afeganistão, utilizam o formato conhecido como distritão, modelo em que o mais votado ganha a vaga. A grande maioria dos países que adota o mecanismo de proporcionalidade coloca uma cláusula de barreira para valer efetivamente. Não é o caso do Brasil. O texto aprovado, de autoria do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), prevê que a sigla precisa eleger apenas um deputado federal para acessar o fundo partidário e ter direito à propaganda gratuita no rádio e na televisão.
“Normalmente, os países usam uma cláusula de desempenho entre 3% e 5% de todos os votos, a exemplo da Alemanha, Japão e Itália. O partido que não alcança, não acessa o fundo partidário. A Turquia, por exemplo, exige 10%, o que é um absurdo”, explica o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), responsável pelo relatório da comissão especial para debater a reforma política no Brasil.
“Se continuarmos com coligações e sem cláusula de barreira de verdade, os partidos vão ser sempre fragmentados. Qual o país do mundo que tem 28 partidos? Qual o primeiro-ministro ou presidente de uma nação cujo seu partido só tem 13% dos votos do parlamento? É possível imaginar o presidente dos Estados Unidos e o partido democrata com apenas 13% de representação? É por isso que temos uma baixa governabilidade”, opinou Castro. “Essa cláusula de barreira é ridícula. Melhor seria que não tivesse sido colocada. O meu relatório previa cláusula de desempenho progressiva. O objetivo era adequar ao longo do tempo para termos um sistema racional mais na frente”, salientou.
Outro ponto controverso é o que diz respeito ao financiamento das campanhas políticas. Os parlamentares brasileiros aprovaram o modelo misto, que predomina no mundo, no entanto, com uma pequena modificação em relação ao formato atual. As empresas, agora, só podem repassar recursos para os partidos e não mais diretamente aos candidatos. Nas últimas eleições, legendas e políticos conseguiram arrecadar cerca de R$ 5 bilhões em doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. As doações de pessoas físicas são irrisórias. Por meio do fundo partidário, os partidos receberam em 2014, R$ 308 milhões de recursos públicos.
O cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Melo critica a modificação aprovada pela Câmara dos Deputados. “O modelo anterior era ruim, mas não deixa de ser melhor do que esse que foi acolhido.
A Idea, uma organização intergovernamental que funciona como observadora da Organização das Nações Unidas, fez uma pesquisa que apontou a proibição de doações de grupos empresariais diretamente para candidatos em 39 países. Entre outros, são listados, por exemplo, México, França, Polônia, Canadá, Paraguai, Ucrânia, Costa Rica, Peru, Portugal, Colômbia e Egito. Assim como o Brasil, há ainda 126 países que permitem o financiamento empresarial diretamente para os candidatos, a exemplo da Argentina, Chile, Reino Unido, Itália, Alemanha, Noruega e grande parte das nações africanas e asiáticas. O financiamento público exclusivo, defendido pelo PT, existe em pouquíssimos países. Um deles é o Butão, no sul da Ásia.
Restrições e transparência
Nos Estados Unidos, de acordo levantamento feito por consultores do Senado, até o final de 2003, vigorava regra estrita para as contribuições diretas de indivíduos a candidatos (não podiam ser superiores a US$ 1 mil por ano e ciclo eleitoral) e a partidos (não podiam ultrapassar US$ 25 mil por ano e ciclo eleitoral). O estudo mostra que existia uma brecha legal que permitia doações acima desses limites por empresas, sindicatos e indivíduos.
Na Alemanha, um dos sistemas políticos mais sólidos do mundo, os gastos eleitorais são reembolsados pelo governo. Há também contribuição privada, com mecanismos de transparência absoluta e limites para proteger partidos e candidatos da influência do poder econômico de grandes financiados.
“No Brasil, o financiamento empresarial como é feito hoje é nocivo. Como dizem, as empresas não fazem financiamento. Fazem investimento. O dinheiro doado é cobrado lá na frente. A gente precisa que a cobrança seja de princípios”, avaliou o cientista político Carlos Melo.
Pontos aprovados
Financiamento misto
Os parlamentares aprovaram em primeiro turno emenda do deputado Celso Russomano (PRB-SP) que prevê doações a partidos feitas por empresas e pessoas físicas. Pelo texto, os candidatos podem receber recursos apenas de pessoas físicas. O teto ainda será definido em lei. A medida começa a vigorar nas próximas eleições.
Como é hoje
Empresas podem doar para partidos e diretamente para candidatos. A determinação não está na Constituição.
Fim da reeleição
A medida prevê o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos. O texto foi aprovado com folga. Foram 452 votos a favor, 19 contra e 1 abstenção. A determinação não se aplica aos governadores eleitos em 2014 e aos prefeitos que venceram as eleições em 2012, nem a quem os suceder ou substituir nos seis meses anteriores ao pleito subsequente.
Como é hoje
Presidente da República, governadores e prefeitos podem se candidatar à reeleição.
Cláusula de barreira
Foi aprovada por 369 votos favoráveis e 39 contrários, além de cinco abstenções. Estabelece que os partidos precisarão concorrer com candidatos próprios e eleger pelo menos um representante para a Câmara ou para o Senado para continuar recebendo recursos do Fundo Partidário e ter acesso ao tempo gratuito de TV. Vale a partir de 2018. Partidos hoje sem representantes no Congresso, como PSTU, PPL, PCB e PCO ficariam de fora.
Como é hoje
Não existe cláusula de barreira.