Deputado 'vira' poeta e filósofo na Assembleia de Minas Gerais

Chamado de filósofo ou poeta por parlamentares e funcionários da Assembleia, o psiquiatra Hely Tarquínio é conhecido na Casa por suas mensagens de conciliação em meio à tensão entre governo e oposição

Juliana Cipriani
Deputado Hely Tarquínio - Foto: Alexandre Guzansehe/EM/D.A Press - 1/2/11
Em um início de legislatura tumultuado, com mais discussões acaloradas do que votações em plenário, um deputado tem chamado a atenção nos corredores da Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo estilo diferente de comandar as reuniões. Parlamentar mais velho da Casa, o primeiro vice-presidente Hely Tarquínio (PV), a quem cabe presidir as sessões do dia a dia, tem proporcionado momentos de descontração ao tentar “doutrinar” os colegas com puxões de orelha, lições e até filosofias de vida. Sempre no meio do fogo cruzado entre parlamentares da base de governo e oposição, Dr. Hely muitas vezes acabou desagradando alguns por seu jeito “ortodoxo”, como ele próprio define, de fazer valer o regimento, mas sempre com muita classe e um vocabulário rebuscado.

“Vamos buscar o diálogo, porque a ambivalência da coisa está tão confusa que ninguém consegue tocar isso aqui para agradar o plenário”, disse durante uma das brigas entre governo e oposição. Chamado de filósofo e poeta entre os deputados e técnicos da Casa, Hely Tarquínio pediu por algumas vezes, diante de bate-bocas intermináveis, para os deputados atingirem a maioridade. “Nós precisamos deixar de nos comportar como crianças aqui dentro. Acho que está na hora de regular nossas consciências diante das discussões aqui”, pregoou.

Quase sempre, as lições de Dr. Hely vêm durante a discussão da ata.
Também na hora do pinga-fogo, em que os deputados podem usar a tribuna para falar de assuntos relevantes. Ocorre que, com o clima amargo que se fixou no Parlamento, os microfones são usados para registrar xingamentos de lado a lado. E no afã de colocar seus pontos de vista, os parlamentares estão sempre reclamando de algum ponto que lhes dá direito à palavra no regimento. Regra essa que o próprio vice-presidente ampliou em uma das sessões. “Se não existe no regimento, eu estou criando agora”, disse Dr. Hely quando questionado sobre uma diretriz adotada.

Em uma das sessões, Hely Tarquínio pediu a compreensão dos colegas, ou não teria fim a “falange de discursos”. Já aos citadores do regimento, disse temer que a reunião virasse “uma pletora, uma sequência de artigo”. No meio de tudo isso, o parlamentar de 75 anos pediu que os colegas não usassem de prolixidez. E para tentar acalmar os ânimos, ensinou: “Devemos ser mais eufêmicos aqui”. De pronto, foi questionado: “Mas, presidente, o que seria mais eufêmicos?”, perguntou o deputado João Leite (PSDB).

O tucano, que esteve com Hely na oposição no governo Itamar Franco (1999 a 2003), lembra que naquele tempo Dr. Hely o chamou para discutir a “dialética das bancadas” e mais uma vez não funcionou. “Falei, sou jogador de futebol, não força a barra. Mais recentemente, ele disse que o subconsciente é o porão das ideias.
Brinco que ele é o filósofo contemporâneo Tarquínios”, conta. O líder da maioria, Vanderlei Miranda (PMDB), também se diverte com o jeito Hely de presidir as sessões. “Às vezes, é até difícil entender, porque ele fala por parábolas, não consegue dialogar sem citar filósofos ou pensadores.”

NO DIVÃ DO DOUTOR
João Leite define o colega como uma pessoa maravilhosa, um benemérito, que usa a profissão de médico para ajudar os outros. Dr. Hely é cirurgião e psiquiatra. Talvez daí venha o impulso de tentar enquadrar o comportamento agressivo de alguns parlamentares. “É preciso deixar a compulsão para depois, porque senão o julgamento do eu estará enfraquecido”, indicou. Tarquínio também chega a fazer análise dos colegas. “Os deputados deviam desconfiar que o outro quer espaço, mas o ego fala muito mais alto aqui dentro.”

Acostumado com as rotineiras brigas entre os líderes da base e da oposição, Tarquínio inventou o “artigo 64 preventivo”. Ou seja, dizendo prever que haveria citações e direito de resposta, ele já destinou espaço para os dois lados falarem na reunião.
Mas ele não deixa de tentar um clima diferente. “Usarei uma palavra complicada, noosférica, espiritual, para ver se conduzimos esta reunião.” Até mesmo nas brigas com os colegas não falta jogo de cintura ao ancião. Ao deputado a quem, em uma ocasião, pediu que agisse como animal racional, ele se retratou. “Nunca cometi esse pecado mortal, mas quero receber sua afeição e seu sentimento de companheiro e, sobretudo, de ser humano. Deixo, portanto, o meu pedido de desculpas.” Afinal, a grande lição no fim das contas sempre é a mesma: “Aqui, temos de cultivar o amor, não o ódio, a ira; senão, não há solução”.

FILOSOFIA DE PLENÁRIO

O posicionamento político, as reivindicações têm que ser feitas num clima humanístico, num clima de compreensão do outro. Então, pediria um pouco de silencio para o deputado expressar seu pensamento”

“Aqui, temos de cultivar o amor, não o ódio, a ira; senão, não há solução. Devemos ser mais eufêmicos aqui”

“Vamos refletir sobre a importância
do silêncio”

“Vamos deixar a compulsão pra depois porque senão o julgamento do eu está enfraquecido”

“Guarda isso, gente. Vamos passar para a maioridade. O direito é ambivalente: um quer uma coisa, o outro quer outra. Vamos dialogar para ver se chegamos a uma conclusão, senão esse plenário vai ficar na menoridade, e nós estamos no século 21”

“Os partidos se anulam no elenco que compõe esse leque da representação popular do estado”

“Nós vamos evitar o conflito para atender as duas partes apaixonadas”

“Os deputados deviam desconfiar que o outro quer espaço, mas o ego fala muito mais alto aqui dentro”

“Estamos precisando de uma atmosfera noosférica, espiritual, para ver se conduzimos esta reunião”

“Na transversalidade dos assuntos em rede, não vamos aceitar trazer esse comentário transversal e corrente, que você vive no final de semana, para dentro da ata”

“Peço que os senhores reflitam sobre a maioridade da representação do deputado para o bem do povo”.