Quinze dias depois de colocar em votação uma série de textos relacionados ao sistema eleitoral brasileiro, a Câmara dos Deputados entra esta semana no segundo tempo da reforma política analisando temas que devem provocar grandes polêmicas em plenário. Um dos principais é o que estabelece o voto facultativo no país. A proposta foi inserida no relatório da reforma produzido pelo deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além dela, serão analisados textos sobre duração dos mandatos, eleições municipais e gerais no mesmo dia, cotas para mulheres, data da posse presidencial e federações partidárias, entre outros assuntos.
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Pelo mundo afora, o voto facultativo é predominante. Em apenas 22 países, entre os quais o Brasil, ele é obrigatório. Apesar disso, o voto facultativo não leva à maior participação política. Pelo contrário. Onde é implantado, o comparecimento às urnas é extremamente baixo: nos Estados Unidos, metade do eleitorado se abstém. Poucos votam e, entre os que votam, há maior presença de determinados segmentos sociais. “Em praticamente todas as eleições do mundo, ricos votam mais do que pobres, homens mais do que mulheres, idosos mais do que jovens. O voto facultativo reforça essa tendência, de maneira consistente”, avalia o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bruno Wanderley Reis, atualmente pesquisador visitante da Universidade da Pensilvânia (EUA).
O voto e o registro eleitoral obrigatórios, tal como ocorre no Brasil, impedem que o resultado eleitoral se transforme apenas na expressão da vontade de grupos mais participativos. “Em países onde o voto e o registro são obrigatórios, a tendência é de que haja maior comparecimento do eleitor nas urnas e que diminuam as diferenças de participação eleitoral entre segmentos da sociedade”, afirma Bruno Wanderley, que cita outras vantagens no voto compulsório. “Evita-se, no processo eleitoral, a presença do chamado street money, muito comum nos Estados Unidos, por meio do qual as campanhas pagam legalmente os cabos eleitorais para levar eleitores até as urnas”, afirma o cientista. Em resumo: o voto facultativo introduz no processo eleitoral uma nova modalidade de “compra do eleitor”.
Nos Estados Unidos, não apenas o voto, mas também o registro do eleitor é facultativo. Por causa disso, republicanos e democratas se empenham em registrar os seus simpatizantes, ao mesmo tempo em que trabalham para impugnar os eleitores adversários, introduzindo grande insegurança ao pleito, como se verificou em 2000, na primeira eleição de George Bush. Além disso, são tantos “incentivos” para que no contexto do voto facultativo eleitores participem que, recentemente, quando indagado sobre como reduzir a influência do dinheiro nos resultados das eleições, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, declarou: “Outros países têm voto compulsório. Seria transformador se todos votassem. Isso contrabalançaria a influência do dinheiro mais do que qualquer outra coisa”.
Obstáculos
Nos sistemas eleitorais com voto facultativo, como nos Estados Unidos, ainda mais grave do que a possível “compra” para o comparecimento às urnas é a intimidação de grupos. Historicamente, os negros sofreram não só para votar, como também tiveram de superar obstáculos para conseguir se registrar. Em diversos estados, principalmente republicanos, a legislação estabelece restrições e exigências específicas para o registro. “O propósito explícito é aumentar a confiabilidade do registro, mas as iniciativas têm sido politicamente contestadas como ato deliberado de restrição do sufrágio para determinados grupos”, diz Bruno Wanderley.
Deste mal o Brasil não padece, segundo o cientista político. Ele observa que o Brasil tem tido resultados importantes sob o regime do voto obrigatório. “A Justiça Eleitoral tem sido bem-sucedida em implementar uma logística eleitoral bastante eficiente, capaz de atender a todos com poucas filas e com muita confiabilidade. É rápido, fácil e seguro votar no Brasil”, afirma, lembrando que a média de comparecimento gira em torno de 80%, o que está entre os índices de participação eleitoral mais altos do mundo.
O que já foi aprovado na Reforma Política *
Reeleição
Como é hoje
Presidente da República, governadores e prefeitos podem se candidatar à reeleição para um mandato consecutivo.
Como será
Acaba a reeleição para mandatos executivos a partir de 2022. A nova regra não se aplicará aos governadores eleitos em 2014 e prefeitos eleitos em 2012, nem a quem os suceder ou substituir nos seis meses anteriores ao pleito subsequente, exceto aqueles que já tiverem exercido os mesmos cargos no período anterior.
Doações de campanha
Como é hoje
Pessoas físicas e jurídicas podem doar recursos para partidos e candidatos durante a campanha eleitoral.
Como será
Empresas poderão doar apenas para partidos – as chamadas doações ocultas. Pessoa física poderá doar para partidos e candidatos. Os limites máximos de arrecadação e os gastos de recursos para cada cargo eletivo deverão ser definidos em lei.
Cláusula de desempenho
Como é hoje
Lei garante o rateio de 5% do fundo partidário a todos os partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os outros 95% são distribuídos de acordo com a votação obtida para a Câmara dos Deputados
Como será
O acesso dos partidos aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita de rádio e televisão dependerá da eleição de ao menos um representante na Câmara ou no Senado.
*Votação na Câmara. Ainda passará pelo Senado