A polêmica em torno da criação de um imposto para aumentar os recursos para a saúde – semelhante à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) – colocou em rota de colisão dois ministros do governo Dilma Rousseff (PT): Arthur Chioro, da Saúde, e Joaquim Levy, da Fazenda. Enquanto o primeiro anunciou pela manhã, durante o 5º Congresso do PT, em Salvador, que está negociando com governadores o retorno da contribuição sobre movimentações financeiras, o segundo, em encontro com empresários em São Paulo, afirmou que a equipe econômica do Planalto nem “cogita” a hipótese
Na quinta-feira, o PT aprovou um texto-base para a discussão do ressurgimento da CPMF, extinta em 2007. Segundo Arthur Chioro, ele já teria conversado com quase todos os governadores, faltando procurar apenas “três ou quatro” entre os 27. Entre eles está o tucano Geraldo Alckmin, de São Paulo. A ideia é estabelecer um piso de movimentação bancária, incidindo a contribuição apenas para movimentações com valores mais altos.
Mais tarde, porém, o próprio Ministério da Saúde divulgou nota negando o conteúdo do discursos do ministro. “O governo feederal não trabaklha com nenhum modelo de financiamento. Especificamente sobre a criação de uma contribuição financeira.”
A volta do imposto do cheque para custear a saúde pública também divide o PT. A corrente Partido que Muda o Brasil, majoritária, chegou a apresentar aos 800 delegados que participam do congresso um documento afirmando que “somos favoráveis à retomada da contribuição sobre movimentação financeira, um imposto limpo, transparente e não cumulativo, como uma nova fonte de financiamento da saúde pública”. O texto foi elaborado pelo presidente nacional da legenda, Rui Falcão, e integrantes da Executiva Nacional. No entanto, no final da tarde, o grupo decidiu retirar a defesa da CPMF. “Não há consenso sobre esse tema”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
A presidente Dilma teria autorizado Chioro a discutir com governadores e prefeitos alternativas para o financiamento da saúde, mas há divisões no Planalto sobre o modelo a seguir, por causa do aumento da carga tributária. A proposta ainda será discutida em encontro de governadores do Nordeste, no Piauí, em julho. Dentro do PT, já há o temor que a discussão agrave o desgaste do partido com a classe média.
Mesmo representantes dos setores beneficiados diretamente com a volta do imposto já se manifestam contrários a essa hipótese. “Além de ser um assunto que a sociedade não aceita, nos posicionamos contrários a qualquer tipo de novo imposto. Somos a favor é que o dinheiro repassado do SUS seja mais bem aplicado e acompanhado”, afirmou o presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Luiz Aramicy Pinto. Na avaliação dele, o grande problema do financiamento na saúde pública do país é que, historicamente, apenas em torno de 65% do orçamento previsto para o setor é realizado.
Segundo dados da FBH, nos últimos cinco anos, cerca de 2 mil hospitais privados deixaram de atender pelo SUS, especialmente no Norte e Nordeste. Atualmente, são 1.078 hospitais com atendimento da rede pública. “Se for para voltar com a CPMF, que haja um acompanhamento de onde o dinheiro está sendo empregado, quais os compromissos”, ponderou Luiz Aramicy, que não acredita na aprovação da ideia pelo Congresso Nacional.
O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, avalia que o problema da saúde pública não é falta de verbas, mas a má aplicação delas pelos governantes. “O que é preciso é que o governo reveja seus gastos, e não que crie mais impostos.” Há ainda uma discussão em torno da legalidade de cobrar o imposto apenas de uma classe , o que poderia gerar um grande número de ações judiciais. Os últimos dados da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) apontam que o Brasil tem 103 milhões de contas bancárias.
Memória
Origem da polêmica
O “imposto do cheque” foi criado em 1993 com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), quando era cobrada uma taxa de 0,25% sobre todas as operações financeiras. Três anos depois, diante de discussões lideradas pelo então ministro da pasta o cardiologista Adib Jatene sobre a necessidade de destinar verbas para a área, o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) com as mesmas características da IPMF e reduziu a alíquota para 0,20%. Em 2000, subiu para 0,38%. Ao longo dos anos, o caráter provisório foi sendo substituído por sucessivas prorrogações por meio de emendas constitucionais.
A extinção da CPMF se deu em 13 de dezembro de 2007, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tentava prorrogá-la até 2011. Na ocasião, o governo sofreu talvez a sua principal derrota, ao ver os senadores rejeitarem o projeto de manutenção da contribuição que rendia aos cofres da União cerca de R$ 40 bilhões anuais. Até então, os recursos eram destinados ao custeio da saúde pública (53%), da Previdência Social (26%) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (21%).