Marcelo da Fonseca
O Ministério Público (MP) de Contas, órgão ligado ao Tribunal de Contas da União (TCU), sugeriu aos ministros da corte que votem pela rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff (PT). Em documento elaborado pelo procurador do MP, Júlio Marcelo de Oliveira, foram apontadas “graves irregularidades” e “violações da Lei de Responsabilidade Fiscal” cometidas no ano passado pelo governo federal. Segundo o MP, “além das pedaladas fiscais” a presidente Dilma “deformou regras” com o objetivo de tirar proveitos eleitorais, o que justificaria a rejeição das contas. O parecer foi entregue aos nove ministros do TCU, que julgam hoje as contas da presidente.
Assessores do Palácio do Planalto avaliam, porém, que será possível reverter uma eventual reprovação nas contas, já que cabe ao Congresso Nacional e não ao TCU aprovar ou reprovar as contas anuais do Executivo. O governo poderá também recorrer à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina a abertura de prazo para esclarecimentos em caso de rejeição das contas.
Para o procurador do MP, houve “infração grave” à Lei de Responsabilidade Fiscal por não cumprir bimestralmente as metas fiscais ao longo de 2014. Os problemas de gestão foram apontados como os principais problemas da governo petista no ano passado e teriam contribuído para a perda da credibilidade da economia nacional. “Certamente o que abala a credibilidade do país é a prática de manobras fiscais e financeiras em desacordo com a legislação e com os fundamentos macroeconômicos da nação”, afirmou Júlio Marcelo.
O procurador considera ainda “fraude” o fato de o governo ter ignorado pedido de suplementação orçamentária feito pelo Ministério do Trabalho, no valor de R$ 9,2 bilhões, para custear despesas com o seguro-desemprego. “Além das omissões intencionais na edição de decretos de contingenciamento em desacordo com o real comportamento das receitas e despesas do país, houve ainda a edição de decretos para abertura de créditos orçamentários sem a prévia, adequada e necessária autorização legislativa, violando a lei orçamentária.”
Na parte final do documento, Júlio Marcelo cita episódio de rejeição das contas do presidente Getúlio Vargas, em 1937, a partir de um relatório do ministro Francisco Thompson Flores. “A sociedade brasileira espera dos ministros do TCU a mesma postura de independência que marcou a atuação do ministro Thompson. Se, após a implantação do Estado Novo, o corajoso ministro gaúcho foi vítima de represália com disponibilidade compulsória decretada pelo ditador, na era da democracia os magistrados dispõem de garantias especiais, que constituem salvaguardas necessárias para exercerem com plena independência, coerência, isenção e compromisso com a sociedade brasileira”, diz Júlio Marcelo.
Maquiagens O relatório do ministro do TCU Augusto Nardes aponta que em quatro anos a diferença entre o que o governo projetou e o que de fato entrou no caixa foi de R$ 251 bilhões. Os erros mais graves teriam ocorrido em 2014, quando o governo previu arrecadar R$ 1,3 trilhão no orçamento, mas conseguiu realizar R$ 1,2 trilhão – valor R$ 110 bilhões abaixo do previsto. Para Nardes, os erros nas projeções oficiais trouxeram vários prejuízos à economia brasileira e colaboraram para que vários setores, como transporte, saúde e mobilidade, fossem mal avaliados pelos contribuintes.
“Ao longo dos quatro exercícios (2011-2014), 85 fontes de recursos apresentaram diferença entre o valor projetado e o valor realizado superior a R$ 1 bilhão”, diz o relatório. Para fechar as contas, a equipe econômica do governo federal teria recorrido a maquiagens contábeis, as chamadas “pedaladas fiscais”. Uma das manobras foi segurar o repasse a bancos públicos de R$ 40 bilhões que deveriam ter sido depositados para pagar benefícios sociais, como o Bolsa -Família. O ministro do TCU entendeu que, na prática, foi como se os bancos tivessem emprestado recursos para o Tesouro, o que é proibido por lei, já que os benefícios foram pagos mesmo assim.
O Planalto nega que tenha recorrido a maquiagens contábeis e afirma que havia previsão nos contratos com os bancos públicos para que eles pagassem os benefícios mesmo sem receber o dinheiro do Tesouro. O governo federal afirma também que a prática ocorreu em governos anteriores. Questionada sobre o parecer do Ministério Público de Contas, a Advocacia-Geral da União (AGU), representante da Presidência, não se manifestou sobre as críticas.