Um quarto dos municípios mineiros não aprovou o plano municipal de educação, projeto que dará o norte do ensino público pelos próximos 10 anos. O prazo para a conclusão do texto estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC) venceu na última quarta-feira, mas 211 prefeituras em Minas não apresentaram o documento, entre elas, a capital mineira. Belo Horizonte sequer enviou o projeto de lei à Câmara Municipal, o que deve ocorrer apenas no próximo mês. E, mesmo antes de começar a tramitar, o plano tem tomado a cena por causa do medo de que a escola ensine às crianças que meninos e meninas não têm um sexo definido. A bancada religiosa, amparada por entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tenta combater a chamada “ideologia de gênero” e quer tirar dos textos qualquer expressão que guarde o risco de a escola interferir na orientação sexual dos alunos.
Episódio na Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Santa Branca, em Belo Horizonte, fez o temor em relação à “ideologia de gênero” crescer. Em abril, um menino de 4 anos fez xixi na calça porque não queria ir ao banheiro com as meninas, já que eles estavam sendo usados de forma unissex. A escola justificou que as placas foram retiradas para manutenção, mas os pais levaram a questão para o Legislativo. Exercício que pede para criança pintar “a figura que melhor lhe representa”, com a opção de colorir um menino ou uma menina, também foi alvo de críticas.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) garante que não há qualquer intenção de introduzir a chamada “ideologia de gênero” no ensino público de BH.
Assim como em BH, polêmica em torno da “ideologia de gênero” toma conta das câmaras de todo o país, a exemplo do que ocorreu, no ano passado, durante a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) pelo Congresso Nacional. Na época, segmentos mais conservadores conseguiram tirar trechos que tratavam sobre questões de gênero. No interior de Minas, o debate tem sido quente.
Em São João del-Rei, na Zona da Mata, a polêmica chegou na Presidência da República. A Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CCLGBT), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, se manifestou sobre a tentativa de vereadores retirarem o termo “orientação sexual ou identidade de gênero” do plano municipal de educação, o que acabou ocorrendo.
O texto original dizia “implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação racial, por orientação sexual ou identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”. O prefeito professor Helvécio Reis (PT) até suspendeu a tramitação do texto, enquanto negociava com igrejas e a bancada religiosa.
O plano municipal, aprovado na última quarta-feira, acabou modificado para “políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, criando redes de proteção contra formas associadas de exclusão”. Segundo o prefeito, a substituição do trecho por expressão presente na Constituição foi a forma encontrada para viabilizar a aprovação do plano.
“A CNBB e a igreja evangélica é que trouxeram esse conceito de identidade traduzido por ideologia de gênero. Nunca tínhamos ouvido falar disso. Estamos tratando é de questões de evasão pela questão de perseguição por cor, a homossexuais e a mulheres”, afirma Reis.
Pela metade
Um ano após a aprovação do Plano Nacional da Educação (PNE), planejamento feito por estados e municípios para cumprir metas locais no setor deixa a desejar em alguns aspectos. Muitos planos regionais apenas reproduziram as diretrizes nacionais e outros nem sequer foram concluídos. Até a noite de sexta-feira, 11 das 27 unidades da Federação e 3.924 dos 5.570 municípios haviam sancionado seus documentos. Para arcar com as despesas educacionais, os municípios contam com a arrecadação de impostos e com transferências pontuais da União, como o Programa Dinheiro Direto na Escola. Doze tributos, como IPI e ICMS, são a base para essa arrecadação.
Pressão é grande no interior
Em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, a pressão da Igreja Católica e de parlamentares levou o prefeito, Vladimir de Faria Azevedo (PSDB), a vetar todos os trechos do plano municipal de educação que falam de “questões de gênero”, “sexualidade” e “diversidade”. O prefeito afirma que “setores significativos da sociedade se sentiram excluídos da discussão” e apontou para a necessidade de aprofundar o debate sobre “diversidade e educação”. O veto será votado hoje no plenário da Câmara.
Parlamentares chegaram a aprovar o texto, mas, depois de receber críticas de segmentos religiosos, reconheceram que a questão passou despercebida durante a tramitação do plano. “Isso foi colocado de forma ardilosa. Depois que fui ler o texto com mais profundidade, mobilizei vereadores”, afirma o parlamentar Marcos Vinícius (PSC), crítico da chamada “ideologia de gênero”.
Para garantir que questões de gênero ficassem longe dos bancos da escola, o bispo da Diocese de Divinópolis, dom José Carlos, se reuniu com parlamentares e, durante a missa de Corpus Christi, falou sobre o assunto aos fiéis. “Deus nos fez homem e mulher. E ninguém nasceu assexuado. Levamos conosco uma genética masculina e feminina. Não temos que aprender a ser isso, mas a, sadiamente, construir o nosso ser homem ou mulher no mundo. Não se trata de opção ou orientação que a escola pode dar em algum momento”, afirmou.
A visita da Rede Cidadã de Pais de Família à Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, agitou ainda mais a tramitação do plano municipal de educação, que acabou sendo aprovado com modificações que abrandaram as “questões de gênero”. “O debate foi bastante esquentado. É melindroso trabalhar esse assunto na escola. Tem que preparar os profissionais para saber abordar. O professor não vai induzir o aluno a ser ou não gay. Essa não é a função, mas esclarecer sobre preconceito, homofobia”, afirma o presidente da Câmara de Diamantina, professor Marcelo Marinho de Ávila (PP), que apresentou emenda incluindo o termo “diversidade sexual” no texto. O MEC informou que não entregar o plano no prazo “torna os gestores passíveis de punições”. Também esclareceu que não cabe ao ministério puni-los..