O novo pedido da PF foi feito na semana passada, dias após a prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo. Os policiais e a Procuradoria-Geral da República convenceram o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, a encarcerar os empreiteiros, mas o magistrado preferiu não quebrar o sigilo das empresas referentes ao BNDES naquele momento. Na Lava-Jato, a PF fez buscas na Odebrecht Latin Finance, quando obteve contratos de financiamento firmados pelo BNDES no exterior, como Cuba e Angola. O primeiro pedido de quebra de sigilo foi feito em 19 de maio, mas acabou negado pelo juiz Sérgio Moro porque deveria ser feito separadamente.
Os policiais querem a quebra de sigilo bancário “das operações de financiamento internacional” envolvendo o BNDES em contratos “de obras de engenharia e infraestrutura” dos últimos 20 anos. Ou seja, nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011 até hoje).
Antes da divulgação das informações pelo BNDES no portal, o banco revelou dados que mostravam que a Odebrecht e a Embraer concentravam 81% do crédito para o exterior no período entre 2009 e os três primeiros meses de 2014. Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa – todas construtoras investigadas na Lava-Jato por suspeita de cartel e corrupção – seguiam a listagem. Com a revelação dos dados no portal, o jornal O Globo levantou que a Odebrecht ficou na verdade com 70% de todo o crédito, se considerado o período disponível até o momento, entre 2007 e 2015.
Os delegados da Lava-Jato pedem planilha eletrônica com informações como descrição do empreendimento; valor; prazos de carência e de financiamento; taxas de juros e de execução da obra; garantias; formas de medição e de pagamento das parcelas do crédito. Também querem saber quem são os responsáveis pela assinatura do contrato, inclusive quais pessoas físicas e outras empresas representam e eventuais parceiros e “intervenientes” no negócio. A PF ainda pede ao banco qual o “critério de escolha” da empresa responsável pela obra.
Fundo perdido A oposição no Congresso já afirmou publicamente que a Odebrecht era escolhida para fazer obras no exterior, com o apoio do governo do PT, porque ajudaria nas campanhas do partido no Brasil. A embaixada de Cuba e a própria empreiteira já se negaram a responder, por exemplo, qual o critério de seleção da Odebrecht para construir o Porto de Mariel, no qual o BNDES injetou US$ 692 milhões em empréstimo, sendo cerca de US$ 110 milhões em dinheiro a fundo perdido. Além disso, os opositores do governo entendem que a operação deveria ter autorização do Senado, pois o crédito a fundo perdido – ao contrário do que alega o BNDES – é uma operação do Tesouro com um país estrangeiro.
Os governistas têm negado relações espúrias entre os negócios das construtoras brasileiras no exterior e o financiamento eleitoral no Brasil. O BNDES lembra que o crédito é pago a empreiteiras brasileiras em reais. No ano passado, a Odebrecht foi a segunda maior doadora em campanhas do país, com R$ 111 milhões, atrás apenas do frigorífico JBS, também cliente de empréstimos do BNDES, com R$ 366 milhões.
Viagens de Lula na mira
O Ministério Público entende que a apuração dos empréstimos envolve “fatos complexos, que demandam análise individual em cada caso (cada contrato)”. A força-tarefa pediu que a quebra do sigilo fosse feita em processo separado dos inquéritos contra a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. O juiz Sérgio Moro concordou. A expectativa é de que o magistrado autorize a quebra de sigilo bancário das empreiteiras. Mesmo ao negar o primeiro pedido, Moro lembrou que há “aparente pertinência” entre a Lava-Jato e a apuração dos empréstimos internacionais.
A nova investigação vai se somar a outras já feitas pela própria PF e pelo Ministério Público.
Em Brasília, a investigação se foca nos pagamentos para Mariel, nos critérios de escolha da Odebrecht para a obra em Cuba e eventual uso de tráfico de influência internacional. Uma investigação preliminar foi iniciada para apurar se as viagens de Lula continham indicações para a contratação de determinadas empresas, como a Construtora Norberto Odebrecht.
Outro lado A assessoria do Instituto Lula já disse que recebe doações de empresas para proferir palestras. Afirma ainda que, apesar de outros líderes atuarem legitimamente em lobby para grandes empresas, como Bill Clinton, o ex-presidente Lula preferiu se dedicar apenas a conferências.
Outra investigação da PF e do Ministério Público Federal em Brasília apura um financiamento que a Odebrecht fez a uma empresa que certificou a qualidade das obras do porto de Mariel em Cuba. O dinheiro não havia sido pago até o ano passado. Uma mensagem de e-mail indicava que, após receber do BNDES e pagar a consultoria, os valores eram devolvidos à empreiteira depois, somente descontando-se os impostos. O secretário-geral do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Ricardo Liáo, afirmou que há suspeita de “desvio de recursos públicos”. A construtora diz que o e-mail é falso e nega irregularidades.
A assessoria do BNDES disse que não pode comentar o pedido da PF, mas que trabalha para publicar na internet até o fim deste ano “todas as operações” de financiamento de obras no exterior. Hoje, o site do banco reúne dados de 2007 a 2015. A Odebrecht não explicou ao jornal qual o critério de escolha para reformar o porto de Mariel. Disse apenas que a empreiteira foi selecionada “por escolha do governo cubano”.
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