Um grupo de 102 deputados de 14 partidos protocolou nesta quinta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) um mandado de segurança para suspender o que chamam de "atropelo" do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na aprovação da proposta que reduz a maioridade penal. Na madrugada do dia 2, menos de 24 horas depois de a Casa ter rejeitado projeto que alterava de 18 para 16 anos a maioridade para crimes hediondos e graves, Cunha colocou em pauta uma proposta mais branda, articulada na véspera por ele com aliados.
Parlamentares pedem ao STF para, liminarmente (de forma provisória), suspender a votação e, posteriormente, anular a sessão que aprovou a redução da maioridade. "Caso essa Egrégia Corte não atue na correção desses excessos flagrantes, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados continuará a praticar um processo legislativo caracterizado pelo atropelo, pela imprevisibilidade e pelo desprezo em relação às visões divergentes", escrevem os advogados que elaboraram a peça.
A argumentação dos deputados se fundamenta em duas hipóteses. A primeira é de que a Mesa Diretora colocou em votação emenda que reproduz matéria que já havia sido rejeitada no dia anterior. Pela Constituição, uma matéria de emenda constitucional já rejeitada não pode ser reapreciada na mesma sessão legislativa (ano). A segunda possibilidade apontada pelo grupo é de que a emenda votada continha matéria nova, conforme alegado pela presidência da Casa. Nesse caso, alegam, não foi obedecida a exigência de apoio de um terço dos deputados.
Rolo compressor
"É fato, portanto, que o atropelo deliberado na segunda votação teve o intuito e o resultado de colocar a minoria à parte do processo de emenda à Constituição, o que não se pode admitir no jogo democrático", alegam os parlamentares, sob argumento ainda de que o processo legislativo "não pode ser dominado por quem quer seja".
Sem referência direta a Cunha, falam de um "rolo compressor ilimitado" que se instalou na Câmara e da "pressa súbita e avassaladora" em aprovar a matéria, que está em tramitação há 22 anos na casa. "Os vencedores de ocasião podem se sentir poderosos e invencíveis, imbuídos da crença de que os fins justificam todos os meios e de que estão apenas fazendo a vontade popular, imune a qualquer requisito do devido processo legislativo", completa a peça apresentada ao STF.
Os advogados do grupo sustentam ainda que o Supremo "jamais" analisou uma situação idêntica à que está em discussão. Em 1996, o STF discutiu manobra semelhante e permitiu que a proposta continuasse em deliberação no Congresso. Após a aprovação da proposta que reduz a maioridade, na última semana, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, fez críticas abertas ao procedimento adotado.
O mandado de segurança pode ser analisado pelo ministro Celso de Mello, que está à frente da Corte nesta semana, em parte do recesso do Judiciário, ou pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que retorna de viagem oficial na próxima semana.
Antidemocrático
Em entrevista coletiva nesta tarde, os parlamentares que entraram com a ação no STF criticaram a violação às regras constitucionais e disseram que houve fraude no processo de votação. "É inadmissível que depois de 25 anos de redemocratização ainda se submeta à praticas antidemocráticas, como está ocorrendo reiteradamente nesta Casa", disse a deputada Luíza Erundina (PSB-SP).
O deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que foi o primeiro relator da PEC da Reforma Política mas foi substituído por Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a ação do STF colocará fim ao que chamou de "disparate". "Ninguém pode estar acima da Constituição da País", declarou. Desde episódio semelhante na votação da Reforma Política, Castro tem feito oposição ao presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Os parlamentares consideraram a segunda votação da PEC uma "afronta" à Constituição. Na entrevista desta tarde, os deputados disseram que só a ação do STF pode restabelecer a "legitimidade das ações do Parlamento". "Os obscurantistas não passarão", afirmou o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ).