Estatuto da Criança e Adolescente completa 25 anos com direitos violados e incertos

Um abismo separa a realidade do Estatuto da Criança e do Adolescente, que chega a um quarto de século em meio à polêmica sobre a maioridade penal

Flávia Ayer

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Considerado marco para garantia de direitos dos cerca de 60 milhões de brasileiros de até 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje 25 anos, numa comemoração cercada de incerteza. O aniversário ocorre em meio à discussão no Congresso Nacional sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em crimes graves, medida que desagrada aos defensores do ECA. Embora o próprio estatuto tenha atingido a maioridade, militantes da área reforçam que a legislação não é cumprida à risca e que já prevê mecanismos para punir o jovem que comete crimes. Apesar dos avanços, a distância entre o que a lei estabelece e a realidade também é grande em áreas como educação, saúde e proteção ao menor.

- Foto: - Foto: De acordo com o estatuto, o autor de ato infracional está sujeito ao cumprimento de medidas socioeducativas que vão desde a prestação de serviço à comunidade até a permanência por três anos em centro de internação. “As medidas socioeducativas não estão totalmente implementadas e isso leva a uma dificuldade de se garantir a responsabilização do adolescente e a possibilidade de atingir o fim último, que é a reeducação”, afirma a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude de Minas Gerais, Paola Domingues Botelho Reis de Nazareth.

A promotora denuncia ainda que faltam vagas em centros de internação. “Esse adolescente continua na sociedade e a população acaba se indignando”, completa. Em Minas Gerais, de acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a capacidade do sistema socioeducativo é de 1.422 vagas, mas há, atualmente, 1.842 adolescentes internados. Segundo Paola, o cumprimento integral do estatuto requer que gestores públicos pensem políticas da criança e do adolescente como prioridade.

Para a colaboradora da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, Maria Alice da Silva, a discussão da redução da maioridade em meio aos 25 anos do ECA traz reflexões.
“Isso nos faz repensar se não nos descuidamos um pouco de informar melhor a sociedade do que é previsto no estatuto. O ECA não é para passar a mão na cabeça de menino. Ele prevê deveres e direitos, além da punição de quem os viola”, afirma.

A militante cobra mais recursos não apenas para as medidas socioeducativas, mas para saúde, educação e lazer. “Existe uma fragilidade da política pública. É preciso ter recursos materiais e humanos”, reforça Maria Alice, que lista motivos para comemorar. “Hoje temos uma estrutura de atendimento minimamente organizada e uma mudança de mentalidade. As pessoas aceitam que crianças e adolescentes são sujeitos de direito”, diz.

OBSTÁCULOS

A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Renata Roman, destaca avanços promovidos pelo ECA como a criação da rede de proteção, mas aponta barreiras para o cumprimento do estatuto. “O ECA é uma lei bem-sucedida, mas falar que todas as crianças têm acesso a lazer e cultura não é algo real. Não conseguimos o avanço necessário”, diz.

Mas a advogada defende mudanças. “Se existe um ponto que precisa ser revisto é colocar um tempo maior de internação, até para dar uma resposta à sociedade de que não é necessária a redução da maioridade penal”, afirma. Aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, a redução da maioridade penal para crimes graves precisa ser votada em segundo turno, o que deve ocorrer em agosto. Em seguida, a matéria segue para o Senado.

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