Rompimento com governo e ataques de Cunha geram crise e pedido de seu afastamento

'Guerra' deflagrada por Eduardo Cunha é vista com cautela por parlamentares

Júlia Chaib Paulo de Tarso Lyra Jacqueline Saraiva
'Essa lama, em que está envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão rpesos, essa lama eu não vou aceitar' - Foto: Antonio Cruz/ Agencia Brasil

Brasília – O gesto ousado e incisivo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de anunciar o rompimento oficial com um governo do qual nunca foi aliado confiável e incondicional agitou o primeiro dia do recesso parlamentar. Se, por um lado, ele tem poderes para perturbar o Planalto, com a criação de CPIs e com a prerrogativa de acelerar pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff; por outro, não recebeu o aval da cúpula do próprio PMDB, pode perder o apoio de parte de sua base congressual e não tem a certeza de uma aliança com a oposição ao Palácio do Planalto. Por ora, parte dos congressistas vê com cautela a guerra deflagrada por Cunha e teme que uma crise institucional agrave os problemas que o país enfrenta.

Eduardo Cunha espumava ao anunciar, no fim da manhã de ontem, o rompimento com o governo. “Estou indignado. O governo nunca me engoliu, me tem como inimigo. E está em conluio com o Ministério Público para me constranger. Vou defender, no congresso do PMDB de setembro, que o partido saia do governo. A partir de agora, sou oposição ao Planalto”, vociferou.
O presidente da Câmara revoltou-se com o depoimento do delator Júlio Camargo, executivo da Toyo Setal e lobista. À Justiça Federal do Paraná, Camargo disse que Cunha recebeu US$ 5 milhões de propina relativas a um contrato para a compra de dois navios-sonda da Petrobras, em um negócio de R$ 1,2 bilhão. “Essa lama, em que está envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão presos, essa lama eu não vou aceitar”, disse Cunha, acrescentando que existe um “bando de aloprados” no Palácio do Planalto.

A revolta de Cunha, que transbordou na quinta-feira, motivou uma reunião, à noite, com o vice-presidente da República, Michel Temer, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para queixar-se que estava sendo perseguido. Apesar da movimentação, o PMDB não comprou a tese do correligionário.

Tampouco os deputados endossaram a atitude do presidente da Câmara. “Cunha errou ao personalizar essa briga. Isso desgasta a Câmara e o próprio PMDB”, disse, à reportagem, Danilo Forte (PMDB-CE). Outro integrante da bancada, que preferiu não se identificar, duvida que haja um apoio maciço a Cunha na Câmara. “O primeiro instituto de um deputado é o de sobrevivência. Ninguém morre pelo outro aqui, nem por gratidão nem por ideologia.”

REAÇÃO E IMPEACHMENT Após a entrevista concedida pelo presidente da Câmara, o Palácio do Planalto emitiu nota, na qual afirma esperar que as decisões do parlamentar sejam pautadas por “imparcialidade” e “impessoalidade”. Já o PMDB tratou de explicar que foi Cunha quem partiu para a oposição, e não a legenda. O governo diz esperar “que essa posição não se reflita nas decisões e nas ações da presidência da Câmara, que devem ser pautadas pela imparcialidade e pela impessoalidade”.

Segundo Cunha, as matérias de interesse do Executivo “serão pautadas normalmente para garantir a governabilidade”. Mas, ainda ontem, ele autorizou a abertura de duas CPIs: uma para apurar os empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outra para investigar os desvios de recurso nos fundos de pensão, pautas negativas para o governo. Além disso, desengavetou os 11 pedidos de impeachment protocolados contra a presidente na Mesa Diretora da Câmara.
Um deles De autoria de Jair Bolsonaro (PP-RJ).

A nota do Planalto reforça que os Poderes devem conviver com harmonia e que, no momento atual, “de desafios”, eles devem “agir com comedimento, razoabilidade e equilíbrio na formulação das leis e das políticas públicas”. O texto exalta a importância do PMDB, do vice-presidente da República, Michel Temer, e de ministros da legenda, destacando que Cunha tomou uma decisão de “cunho estritamente pessoal”.

O discurso palaciano encontrou suporte no próprio PMDB, que, minutos depois da entrevista do presidente da Câmara, divulgou nota rechaçando que a posição de Cunha fosse a mesma da legenda. “A manifestação de hoje (ontem) do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, é a expressão de uma posição pessoal, que se respeita pela tradição democrática do PMDB”, diz texto. “Entretanto, a presidência do PMDB esclarece que toda e qualquer decisão partidária só pode ser tomada após consulta às instâncias decisórias do partido: comissão executiva nacional, conselho político e diretório nacional.” Ainda ontem, a bancada da sigla na Câmara informou que vai pedir uma reunião para definir a posição da legenda na Casa tão logo termine o recesso parlamentar, no fim do mês.

À noite, os nove governadores do Nordeste divulgaram, em Teresina (PI), manifesto que rejeitam pedidos de impeachment contra à presidente.

‘DONO DO PAÍS’ Também citado pelo peemedebista, o juiz Sérgio Moro rebateu as acusações de Cunha de ter levado “o STF para Curitiba” e de “pensar ser o dono do país”. Segundo o presidente da Câmara, “juiz de primeiro grau não poderia ter conduzido depoimentos daquela maneira. Ele violou o procedimento de foro privilegiado, ao qual eu tenho acesso”. “A 13ªVara de Curitiba conduz ações penais contra acusados sem foro privilegiado em investigações e processos desmembrados pelo Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao juízo silenciar testemunhas ou acusados na condução do processo”, afirmou Moro, em resposta.

Tuitaço e panelaço

No dia em que anunciou o rompimento com o governo de Dilma Rousseff, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de um tuitaço. À noite, Cunha fez um pronunciamento de cinco minutos em cadeia de rádio e tevê, quando houve panelaços e apitaços isolados em pelo menos quatro capitais, incluindo Belo Horizonte. Na declaração, fez um balanço da gestão à frente da Casa.
Após anunciar o rompimento com o Planalto, pela manhã, a hashtag #CunhaNaCadeia entrou no Trending Topics (assuntos mais comentados) mundial. No início da noite, a expressão figurava no segundo lugar na lista. No Brasil, a hashtag ocupou o topo do ranking. A maioria dos comentários criticava a conduta de Cunha à frente da Câmara e relacionava o nome dele à Lava-Jato.
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