Brasília – O anúncio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na sexta-feira (17), de que cortou relações com o Planalto após ser acusado de ter recebido US$ 5 milhões em propinas, comprova que o recesso parlamentar de julho será tenso. Nada de férias, nada de folga na crise. Afinal, a Operação Lava-Jato promete ter novas investidas nos próximos dias, a inflação e os juros continuam em alta e o nível de desemprego acelera. À crise política, econômica e ética, soma-se uma institucional. Ao menos por ora, não existe possibilidade de paz nos corredores do poder em Brasília.
Nos próximos dias, o Tribunal de Contas da União (TCU) deve analisar as chamadas pedaladas fiscais da presidente Dilma Rousseff – o atraso nos repasses do Tesouro aos bancos públicos que custeiam programas sociais para garantir a obtenção da meta de superávit primário. Além disso, novos desdobramentos da Operação Lava-Jato devem culminar com a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar os políticos envolvidos na Lava-Jato.
O recrudescimento da etapa política da Operação Lava-Jato mudou um pouco o cenário da crise, ampliando os problemas. Se antes apenas o Executivo ficaria ardendo durante a folga branca de deputados e senadores, agora muitos parlamentares estão na fogueira.
Na semana que passou, a operação de busca e apreensão da Polícia Federal nas residências dos senadores Fernando Collor de Melo (PTB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e do deputado Dudu da Fonte (PP-PE) mostrou que a água sobe a olhos vistos no poço da base aliada do governo. O pesadelo congressista piorou com a onda que engolfou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, na véspera do início do recesso.
A cúpula do PP mandou avisar que, se cair, dirá que Dilma sabia do esquema de corrupção na Petrobras, o que, na visão de governistas é mera chantagem. A dúvida é quanto aos efeitos práticos da ameaça. “Eles nos procuraram, em 2012, para reclamar que a presidente Dilma estava afastando o Paulo Roberto Costa da diretoria da Petrobras. Como vão dizer que a presidente sabia, se foi ela quem exonerou essa diretoria que está presa?”, indagou um cacique petista. “Como dizer que alguém que foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e presidente do Conselho da Petrobras por tanto tempo não sabia de nada?”, rebateu um peemedebista graúdo do Congresso.
Esse embate travado sob a chancela do anonimato prova que as coisas não andam nada bem no restrito círculo de poder governista. “E nós, deputados, ainda teremos tempo de visitar com mais tranquilidade as bases eleitorais. Para nos depararmos com o quê? Com o cidadão reclamando da inflação, do desemprego, do aumento nas contas. Voltaremos ou não mais felizes para Brasília?”, ironizou o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI).
IMPEACHMENT O deputado Eduardo Cunha já avisou que passará mais tempo em Brasília do que em suas bases eleitorais no Rio. “É medo de confrontar-se com o próprio eleitorado”, provocou um desafeto petista. Mas o período na capital federal também significa mais tempo para reunir os próprios aliados a fim de fustigar o governo, embora no sábado, por meio de redes sociais, Cunha tenha dito que não pretende empreender “vingança” contra o Planalto. A verdade é que haverá novos ataques, especialmente em relação a processos que possam culminar no impedimento de Dilma. Cunha, por exemplo, pediu ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) que atualize o pedido de impeachment apresentado pelo pepista no início do ano.
Para o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto Queiroz, Cunha saiu mais enfraquecido do que Dilma e do que o próprio presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), após as denúncias de corrupção que pesam contra ele. “Renan não perderá poder interno com as acusações. Cunha, sim”, aposta.
Um aliado da presidente Dilma apelou para o deboche ao comentar as acusações de Cunha de que o governo quer prejudicá-lo. “Somos mesmo espertos. Para prejudicar Cunha, deixamos vazar a informação de que a campanha da presidente Dilma recebeu R$ 7,5 milhões da UTC em 2014 e que dois ministros palacianos – Edinho Silva (Secretaria de Comunicação) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) – também estão sendo investigados na Lava-Jato. Para completar, jogamos o ex-presidente Lula na lama. Coisa de gênio”, ironizou o interlocutor palaciano.
Sem trégua
Alguns políticos que devem ter dias agitados durante o recesso parlamentar
Dilma Rousseff (PT): terá de convencer o Tribunal de Contas da União (TCU) que não praticou pedaladas fiscais em 2014. Também sofre com a denúncia do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, de que a campanha da reeleição de 2014 recebeu uma doação de R$ 7,5 milhões vinda dos desvios na Petrobras.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT): além da citação de Ricardo Pessoa referente à campanha de 2006, o petista é investigado em um inquérito do Ministério Público Federal no Distrito Federal sobre tráfico de influência para favorecer a construtora Odebrecht na obtenção de contratos no exterior.
Fernando Collor de Mello (PTB-AL): o senador teve documentos apreendidos em seu apartamento funcional, na Casa da Dinda (residência particular) e na sede da empresa da família, em Alagoas. Também perdeu três carros de luxo na operação da semana passada.
Eduardo Cunha (PMDB-RJ): investigado na Operação Lava-Jato, o presidente da Câmara é acusado de receber US$ 5 milhões em propinas da empresa Toyo Setal.