Jornal Estado de Minas

Igrejas querem direito de ajuizar ações no Supremo

Dos cultos e missas para os tribunais. As entidades religiosas querem ter o direito de ajuizar ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Alegam que é para barrar qualquer tipo de “interferência” do poder público nos seus diversos segmentos. Com o respaldo do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é evangélico, tramita na Casa uma proposta de emenda à constituição (PEC) que inclui as associações religiosas de âmbito nacional no rol daqueles que podem ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade (adin) no Supremo.


A PEC foi apresentada há quatro anos e arquivada no final da legislatura passada, mas foi desarquivada pelo autor, João Campos (PSDB-GO), em fevereiro, e neste mês começou a andar na Câmara. Na justificativa do texto, o goiano alega que “cada segmento religioso se rege por valores e normas próprios” e tem a “autonomia de se auto-organizar, sem a intromissão do poder público ou qualquer outra inferência”. O parlamentar diz ainda que a PEC busca apenas corrigir uma “omissão” na Constituição.

“Temos diversos princípios na Constituição Federal ligados à fé e à religião. Achei que estava faltando uma cobertura em relação aos segmentos religiosos”, alegou João Campos em entrevista ao Estado de Minas. Pela Constituição, podem ajuizar adins no STF apenas o presidente da República, governadores, mesas da Câmara, do Senado e das assembleias legislativas, Procuradoria-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do BrasiL (OAB), partidos políticos e entidades de classe de âmbito nacional.

Presidente da Frente Parlamentar Evangélica, composta por 85 deputados e cinco senadores, João Campos se diz confiante na aceitação da PEC – que precisa de 308 votos para ser aprovada.
“Não é uma questão de dogma religioso, mas um mecanismo de proteção da Constituição brasileira. Estamos fazendo um debate de natureza técnica”, argumenta.

O deputado jura que a ideia da PEC não tem relação com qualquer projeto em tramitação ou lei aprovada que desagradou aos evangélicos. Mas o fato é que existe uma série de propostas no Congresso que ferem diretamente dogmas religiosos, envolvendo por exemplo o aborto, drogas, direitos dos homossexuais. Um deles, do deputado Jean Wyllys (PSPL-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF), obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde a custear tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial. É o chamado direito à “identidade de gênero”. Há ainda um texto que regulamenta a profissão de prostituta e outro que legaliza a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

IMPASSE O tema aborto é tratado em projeto apresentado também por Jean Wyllys. Ele é autor de uma proposta que garante às mulheres o direito de interromper voluntariamente a gravidez de até 12 semanas.
De acordo com o texto protocolado há dois meses, o aborto seria realizado pelo SUS. Também está prevista a criação de políticas públicas para educação sexual e dos direitos reprodutivos e sexuais. O presidente da Casa, Eduardo Cunha, já declarou que mudanças na legislação sobre aborto só seriam votadas “por cima de meu cadáver”. “No aborto sou radical, não vou pautar nem que a vaca tussa”, disse o parlamentar na ocasião.

Caso encontrem brecha jurídica, os evangélicos já têm em mente qual seria a primeira ação ajuizada no STF. Favoráveis ao artigo 28 da Lei Antidrogas, que criminaliza o porte de entorpecentes para uso próprio, o grupo torce para que os ministros do Supremo não derrubem a regra ao julgar ação que a considera inconstitucional. Caso o artigo caia, eles poderão entrar com um novo processo para que a norma volte a vigorar. “Mas precisamos ver antes se o assunto tem pertinência temática para que possamos entrar no processo”, explicou João Campos.

 

CONFIANÇA

Pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA, divulgada na terça-feira passada, relevou que a Igreja é a instituição mais confiável no Brasil, apontada por 53,5% dos entrevistados. Neste grupo, 43% disseram “sempre” confiar na Igreja.

Na sequência vêm as Forças Armadas (15,5%) e a Justiça (10,1%). O levantamento ouviu 2.002 pessoas entre 12 e 16 de julho, em 137 municípios de 25 estados. A margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.

 

Na pauta da Câmara

 

Aspectos religiosos são o tema de vários projetos de lei na pauta da Câmara. Um deles, apresentado por Rogério Rosso (PSD-DF), torna crime hediondo a ofensa religiosa e aumenta de quatro para oito anos o período de reclusão dos infratores. A alegação do autor da proposta é que os protestos direcionados às religiões cristãs têm se tornado cada vez mais frequentes, especialmente nas manifestações LGBT e marchas a favor dos direitos das mulheres. A proposta altera o Código Penal e ainda tem que ser analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O texto ganhou força depois do apedrejamento de uma menina no Rio, quando deixava um culto de candomblé, e o assassinato violento de um médium, que foi amarrado e amordaçado. Há a defesa para que sejam incluídas no projeto punições a quem pratica atos de intolerância religiosa, cuja sanção aumentaria de um para oito anos de prisão.

E depende dos deputados federais e senadores a instituição de um Estatuto Jurídico da Liberdade Religiosa – documento com 55 artigos apresentado pelo deputado mineiro Leonardo Quintão (PMDB). Um deles, o de número 44, considera ato “discriminatório e de intolerância contra a liberdade religiosa praticar qualquer tipo de ação violenta, seja esta real ou simbólica, que seja, assim, constrangedora, intimidatória ou vexatória baseada na religião ou crença da vítima”. A punição prevista é multa de 20 salários mínimos (R$ 15.760), podendo chegar a 60 (R$ 47.280) no caso de reincidência.
 

.