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Estado de Minas

Há quase 70 anos, costureira de BH confecciona togas usadas por juízes de todo país

Aos 81 anos, Aristel Anna Bavosi ainda se emociona quando entrega as vestimentas pretas aos seus clientes


postado em 26/07/2015 00:12 / atualizado em 26/07/2015 07:34

(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Pela casa dela já passaram centenas de juízes, desembargadores, promotores, procuradores e advogados de todo o Brasil. Todos com o mesmo objetivo: adquirir a vestimenta preta, até os calcanhares, que simboliza poder para quem a usa. Aos 81 anos de idade, a costureira Aristel Anna Bavosi acumula 69 deles dedicados à confecção das becas e togas usadas por profissionais do direito durante as sessões de julgamento. Tempo que dá a ela a experiência de saber na ponta da língua a diferença entre os vários tipos de veste talar – nome jurídico da “capa preta” – e a agilidade para confeccionar os modelos mais simples no mesmo dia e os mais complexos em três dias.

A paixão e a habilidade para fazer a roupa parecem mesmo estar no sangue. Ela herdou a tarefa do pai e do avô, um alfaiate italiano que chegou ao Brasil na década de 1930 e se instalou inicialmente no Rio de Janeiro. Para sustentar a família, confeccionava batinas para integrantes da Igreja Católica. Pouco tempo depois, foram os padres de Belo Horizonte que começaram a usar as vestes costuradas em uma loja alugada na Rua Espírito Santo com Avenida Amazonas, no Centro da capital, para onde a família se mudou. Para as becas e togas, foi um pulo. A propaganda boca a boca trouxe os primeiros magistrados – e a transferência da loja para um imóvel em frente ao Fórum Lafayette, na Avenida Augusto de Lima.

O trabalho aumentou tanto que o pai de Aristel passou a ajudar o patriarca da família. Em meio às agulhas, linhas e crepe negra, Aristel tomou gosto pela costura e, aos 12 anos, confeccionou as primeiras gravatas e capelos. Desde então não parou mais, e, com a morte do avô, aos 100 anos, e do pai, aos 90, assumiu sozinha o ofício. Nos vários caderninhos anotados de próprio punho, ela mantém intactos os nomes dos clientes, telefones e medidas de todos eles. São recordações de uma tarefa que ela se enche de orgulho.

“Para mim, é uma emoção ver um juiz, um desembargador, com uma toga que eu fiz. Sinto-me muito bem, e nesses anos todos penso quanta gente importante já passou por aqui”, diz a costureira à reportagem, entre lágrimas. Mas ela logo sorri quando se refere aos mais jovens, que vestirão a roupa pela primeira vez. Ela sempre escuta que acham a capa “feia”, mas que é preciso usá-la. “Eles também me agradecem, contam da felicidade de ter passado em um concurso, da luta e dificuldade para estudar”, recorda. Avó de dois advogados, um deles já precisou usar uma beca feita por ela.

HORA EXTRA Nem mesmo uma cirurgia nos olhos fez com que Aristel Bavosi alterasse a rotina de trabalho. Somente neste ano, ela já fez 23 togas, 22 para promotores e uma para um jovem juiz, aprovado recentemente em um concurso para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Procurada pela mãe do rapaz – que precisava da toga com urgência para o filho tomar posse no tão sonhado cargo –, não se furtou a fazer hora extra para entregar a roupa a tempo. “A alegria dele por ter passado no concurso e por poder vestir a toga valeram a pena a correria”, afirma.

Entre as recordações que guarda da profissão, Aristel Bavosi ressalta o carinho e a simplicidade com que é tratada pelos “poderosos” que a procuram atrás de uma toga. E uma em especial a deixou emocionada: há alguns anos, foi procurada para fazer uma capa preta e capelo para o ex-vice-presidente José Alencar, falecido em março de 2011. A roupa foi usada por ele em uma homenagem na cidade natal, Ubá, na Zona da Mata mineira. “Foi uma surpresa para ele, e me emocionou porque eu gostava muito dele”, recorda Aristel.

Mas a história de quase 90 anos de corte e costura da família Bavosi um dia chegará ao fim. Mãe de quatro filhos – três homens e uma mulher –, nenhum deles receberá o legado de Aristel. “Eles nunca tiveram interesse em aprender a fazer as togas, mas isso não me deixa triste não”, afirma a costureira, que nega qualquer ressentimento. Atualmente, apenas uma pessoa da família – uma sobrinha – a ajuda quando pode.


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