Jornal Estado de Minas

Odebrecht diz 'não ter motivos' para esclarecer anotações em celular

São Paulo, 27 - A defesa de Marcelo Odebrecht, preso desde 19 de junho sob suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, abriu mão de explicar à Justiça Federal no Paraná, base da Operação Lava Jato, o sentido e o significado das anotações encontradas pela Polícia Federal em seu celular. Em petição entregue nesta segunda-feira, 27, ao juiz federal Sérgio Moro os advogados da maior empreiteira do País destacaram. "A defesa não tem motivos para esclarecer palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou."

"Inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador", afirma a defesa da Odebrecht em petição de oito páginas entregue ao juiz que conduz todas as ações penais da Lava Jato .

Intriga os investigadores uma sequência de registros no celular de Odebrecht que indicam suposta estratégia do empresário para eliminar provas da Lava Jato. São expressões abreviadas, muitas delas, nem sempre fáceis de se entender. Verdadeiros enigmas, na avaliação dos investigadores.

Entre os termos encontrados pela Polícia Federal destacam-se as expressões 'dissidentes PF', 'trabalhar para parar/anular'.

Os investigadores supõem que os termos denotam a estratégia de Marcelo Odebrecht de prejudicar o andamento da operação.

"Em seu afã de incriminar Marcelo Odebrecht a todo custo (a PF) nem se deu ao trabalho de tentar esclarecer as anotações com a única pessoa que poderia interpretá-las com propriedade - seu próprio autor", protestam os advogados do empreiteiro. "Ao reverso, tomou desejo por realidade e precipitou-se a cravar significados que gostaria que certos termos e siglas tivessem."

A petição da Odebrecht é subscrita pelos criminalistas Dora Cavalcanti Cordani, Augusto de Arruda Botelho e Rafael Tucherman. Eles miram o que chamam de 'blogs sensacionalistas' e alertam para a revelação de 'segredos comerciais'.

"Houvesse tido a cautela que sua função exige, e a Polícia Federal teria evitado a barbaridade que, conscientemente ou não, acabou por cometer: levou a público segredos comerciais de alta sensibilidade em nada relacionados aos pretensos fatos sob apuração, expôs terceiros sem relação alguma com a investigação e devassou mensagens particulares trocadas entre familiares do peticionário, que logo caíram no gosto de blogs sensacionalistas."

Os criminalistas apontam para suposto exercício de adIvinhação da Polícia Federal. "Ao que parece, quem tem um 'plano em andamento' é uma parcela da própria Polícia Federal: expiar seus aparentes pecados à custa de Marcelo Odebrecht, para tanto subvertendo o sentido de palavras e adivinhando o significado de siglas na forma que lhe convém."

Para os investigadores, as anotações no celular do empreiteiro preso indicam que ele estaria planejando "confrontar" a Lava Jato e "ocultar provas buscando criar 'obstáculos' e 'cortinas de fumaça', que contaria com 'policiais federais dissidentes', dupla postura perante a opinião pública, apoio estratégico de integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ataques às apurações internas da Petrobras".

Para o juiz Moro,"o trecho mais perturbador é a referência à utilização de 'dissidentes PF' junto com o trecho 'trabalhar para parar/anular' a investigação".Para ele "sem embargo do direito da defesa de questionar juridicamente a investigação ou a persecução penal, a menção a 'dissidentes PF' coloca uma sombra sobre o significado da anotação".

Inicialmente, o juiz deu 48 horas para a defesa explicar as citações, mas decidiu prorrogar o prazo até esta segunda,27, atendendo a uma solicitação dos próprios advogados que argumentaram a necessidade de se entrevistarem primeiro com o empresário na Custódia da PF em Curitiba.

Os advogados criticaram a nova ordem de prisão preventiva de Marcelo, decretada na sexta-feira, 24.

A medida foi tomada pelo juiz Sérgio Moro com base em documentos encaminhados pela Suíça que, segundo a Procuradoria da República, revelam a movimentação de valores em contas da Odebrecht no exterior que tiveram como destinatários ex-diretores da Petrobras, incluindo criminosos confessos como Paulo Roberto Costa e o ex-gerente Pedro Barusco - eles admitiram o recebimento de propinas.

"Lamentavelmente, a obstinação investigativa e persecutória de autoridades que atuam na Lava Jato parece ter turvado sua compreensão de que o país não se resume a um caso criminal", afirmam os advogados da empreiteira. Há indivíduos, famílias, empresas, finanças, obras e empregos em jogo - no caso das empresas do grupo Odebrecht, são mais de 160.000! -, que deveriam impor um mínimo de cuidado na análise e divulgação de documentos e informações por parte dos agentes públicos, ao menos até que bem esclarecidos seu conteúdo e eventual pertinência com as apurações."

Para os criminalistas, "era mesmo de se imaginar que houvesse uma busca por algo que disfarçasse a colossal ilegalidade da custódia de Marcelo. Polícia e Ministério Público Federal engajaram-se na missão com afinco, e para tanto deixaram a razoabilidade de lado".

Os advogados dizem que o empreiteiro "deplora o rematado absurdo de se considerar anotações pessoais a si mesmo dirigidas, meras manifestações unilaterais de seu pensamento, como atos efetivamente executados ou ordens de fato passadas".

"Ainda que o conteúdo dos registros fosse aquele nascido das criativas mentes policiais, rematado absurdo, nada indica que eles de algum modo tiveram repercussão prática, ou seja, que foram de fato implementados ou determinados a terceiros."

Para os advogados, "uma leitura minimamente neutra das anotações selecionadas pelo agente policial que figurou como analista destacaria também as inúmeras passagens que revelam a preocupação (de Odebrecht) em esclarecer sociedade e mercado, além de dar guarida a medidas de investigação independente e de apuração interna".

"Esse o contexto, além de lamentar que o empenho em se lhe aplicar pena sem processo tenha chegado a esse ponto, o peticionário requer o imediato desentranhamento dos autos do inquérito policial de informações, notas ou conversas privadas que não possuam relação com o caso, de modo a evitar a indevida exposição de terceiros alheios à apuração.".