Embora em todo o mundo o desenvolvimento das leis de regulamentação da atividade de lobby surja principalmente em resposta a escândalos de corrupção, favorecimentos e abusos na conduta de agentes políticos, no Brasil o tufão da Operação Lava-Jato e a crise política que coloca Legislativo e Executivo em pé de guerra ainda não foram suficientes para tirar do escanteio as iniciativas que tratam do tema. Levantamento inédito realizado pelo cientista político Manoel Leonardo Santos, pesquisador do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), e o doutorando em ciência política Lucas Cunha dá conta de que nos últimos 31 anos foram apresentadas 16 propostas para regulamentar o lobby. Mas elas jamais evoluem ao ponto da aprovação.
“O tema nunca esteve, de fato, na agenda dos líderes do Congresso Nacional. Por isso, o processo de influência nos parlamentos brasileiros continua fora do alcance da sociedade, sempre nas antessalas, sem que se saiba quais são as redes de influência montadas no Parlamento e qual é o volume de recursos envolvidos na atividade”, considera Manoel Leonardo, que coordena estudo financiado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o lobby e a representação dos interesses na Câmara dos Deputados. Além de tornar as relações entre instituições e grupos de interesse mais transparentes, a regulamentação do lobby melhoraria o processo de prestação de contas e atribuição de responsabilidades na esfera pública. “A regulamentação também igualaria as chances de diferentes segmentos da sociedade para exercer influência sobre o Poder Legislativo”, considera o pesquisador.
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Deputados reagem a acusações de lobby e "barganhas nojentas"'Fazia parte de um lobby você estar bem com o partido', diz delator'Neste País, empresário não consegue nada sem lobby', diz doleiroExatamente por isso, a reação de muitos parlamentos diante de escândalos mundo afora é de regulamentar ou arrochar as regras para aumentar a transparência da atividade de lobby.
Propostas
Há esforços isolados na Câmara e no Senado para aprovar a regulamentação da atividade de lobby. O mais recente parte do senador Walter Pinheiro (PT-BA). “A proposta é boa, mas dificilmente entrará na agenda.
Ao desinteresse da maioria do Parlamento pela votação de uma legislação sobre o lobby soma-se a falta de consenso sobre como deve ser essa regulamentação. A radiografia das tentativas malsucedidas ao longo das três últimas décadas para a regulamentação da atividade no Congresso Nacional aponta, nos últimos 21 anos, para 16 propostas tão diferentes umas das outras que as regras indicadas oscilam entre extremos. Ora as propostas se aproximam da legislação norte-americana, a mais rígida entre o seleto grupo de países do mundo que regulamentaram o lobby; ora se identificam mais com o padrão da União Europeia, mais flexível e com menor controle sobre a atividade.
“As propostas revelam visões muito diferentes dos legisladores sobre a atividade de lobby e, por consequência, de como e em que medida ela deve ser regulada. Além disso, uma grande omissão é comum entre elas: nenhuma apresenta dispositivo que preveja que o órgão de controle e fiscalização da atividade ofereça a possibilidade de cadastro, de apresentação de relatórios de atividades e de gastos on-line”, afirma o pesquisador.
O peso da regulamentação
Com base em um índice internacional elaborado pelo The Center for Public Integrity, que avalia, em vários parlamentos do mundo, o nível de regulamentação do lobby em termos de transparência e de responsabilização de lobistas que transgridem as regras, os dois pesquisadores analisaram o teor de 12 das 16 propostas legislativas que tramitaram no Congresso Nacional entre 1984 e 2015.
Quanto maior a regulamentação do lobby para um determinado Parlamento, maior a nota obtida nesse índice, que varia de 0 a 100 pontos e aborda oito dimensões relacionadas ao controle da atividade de lobby. Por meio dessas notas, é possível comparar o nível de regulação proposta por cada proposição que tramitou no Congresso Nacional nos últimos trinta anos com as legislações em vigor de outros parlamentos do mundo. “Modelos com alto grau de regulamentação têm a vantagem de oferecer informações bastante detalhadas sobre as atividades de lobby, o que torna as relações entre grupos de interesses, lobistas e parlamentares mais transparentes e acessíveis à sociedade”, consideram os pesquisadores.
Os extremos
Entre as 12 proposições analisadas para tratar do tema apresentadas ao Congresso Nacional, a do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) é a que apresenta o mais alto grau de regulamentação e, nesse sentido, se aproxima da legislação vigente nos Estados Unidos. Trata-se do Projeto de Lei 1.202, de 2007, que entra, portanto, em sua terceira legislatura e que voltou a tramitar depois de pedido de desarquivamento feito pelo autor. Segundo o cientista político Manoel Leonardo Santos, o projeto de Zarittini apresenta alta cobertura na definição da atividade de lobby, na exigência de apresentação dos gastos dos contratantes de lobistas, no estabelecimento de quarentena de ex-parlamentares e servidores públicos para o exercício da atividade e no registro individual de cada lobista. Por outro lado, tem baixa cobertura para a publicação de gastos individuais do lobista na atividade, a divulgação on-line dos serviços e na definição de sanções para os casos de transgressão das normas definidas para o lobby.
No outro extremo do ranking da regulamentação está o Projeto de Lei 6.928, apresentado em 2002 pela então deputada federal Vanessa Graziotin (PCdoB – AM), hoje senadora. “A proposta dela, que foi apensada a um outro projeto de lei, limita-se à definição da atividade que caracteriza um lobista, ao controle do cadastro e ao acesso público às informações”, considera o cientista político. A proposição de Graziotin se aproxima de países como a Polônia, a Alemanha e o Parlamento Europeu, que apresentam legislações que vão pouco além da exigência do registro dos lobistas. “Embora os dados dos cadastros sejam públicos, seus gastos, suas atividades, as matérias que acompanham e o período de quarentena não figuram nos seus diplomas normativos”, afirma o cientista político. A atividade é percebida como democracia participativa – e acesso de grupos de interesse ao legislativo.
LOBBY COMPARADO
Os níveis de regulamentação da atividade em parlamentos mundo afora e as propostas legislativas apresentadas no Brasil (em pontos*)
Estados Unidos: 62
Carlos Zarattini (PL 1202/07): 51
Canadá: 50
Walter Pinheiro (PRC 203/01): 48
João Herrmann Neto (PRC 158/09): 45
Francisco Rodrigues (PRC 103/07): 45
Geraldo Resende (PL 1713/03): 45
Hungria: 45
Substitutivo Colnago ao PL 1292/07: 43
Ronaldo Vasconcellos (PRC 87/00): 40
Marco Maciel (PL 6132/90): 38
José Fortunati (PRC 83/96): 35
Austrália: 33
Polônia: 27
Mendes Ribeiro (PRC 14/11): 23
Francisco Dias (PRC 337/85): 19
Alemanha: 17
Parlamento Europeu: 15
Vanessa Grazziotin (PL 6928/02); 14
(*) A análise dos pesquisadores ainda não incluiu a proposta mais recente, do senador Walter Pinheiro (PT-BA)
Contagem de pontos
Parlamentos e propostas legislativas ganham uma pontuação de 0 a 100, que reflete o grau da regulamentação. Quanto maior a pontuação, mais rígida é a regulamentação, considerando as seguintes dimensões:
1) Definição de lobista
2) Registro individual
3) Divulgação de gastos individuais
4) Divulgação de gastos do contratante
5) Serviços eletrônicos on line
6) Acesso público às informações
7) Poder do órgão/agência responsável pelo controle da atividade e sanções previstas para o descumprimento da legislação por parte dos lobistas cadastrados
8)Mecanismos de quarentena antes que legisladores/servidores públicos se registrem como lobistas.
Debate internacional
As iniciativas de regulamentação do lobby se desenvolveram, em particular nas democracias liberais, em torno de duas grandes questões: a preocupação com a desigualdade de forças entre grupos de interesses poderosos e setores da sociedade menos organizados e com menos recursos; e a percepção de que há condutas antiéticas e corruptas dos lobistas e dos agentes públicos.
Fonte: 2015, Manoel Leonardo Santos e Lucas Cunha.
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