Jornal Estado de Minas

Dirceu deixou passado de guerrilheiro para se tornar rico presidiário


Apesar de toda a sua história política de resistência, o petista José Dirceu, preso nessa segunda-feira (3) na Operação Lava-Jato, não escondeu seu abatimento ao retornar à prisão mais uma vez – a terceira ao longo de sua vida política. O ex-guerrilheiro não conseguiu manter o punho cerrado e para o alto como fez ao assumir como ministro do primeiro governo Lula e ao se apresentar à PF em 2013, para cumprir pena pela condenação no mensalão. Foi o encerramento de mais um ciclo do homem que chegou a ser o segundo mais poderoso da República. 

Nos últimos 10 anos, José Dirceu perdeu o cargo no governo, perdeu o mandato de deputado federal, foi acusado de comandar o mensalão e condenado a mais de sete anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, mas nos negócios continuou mostrando um vigor espantoso. A sua empresa, a JD Assessoria e Consultoria, prestou consultoria a pelo menos seis empresas que, segundo o Ministério Público, alimentaram o esquema de pagamento de propina na estatal.

Vigor alimentado também pela diversidade de áreas de atuação. A JD foi contratada também por empresas dos ramos imobiliário, cultural, cervejaria, laticínio, marketing, editorial, advocatício, elétrico, digital, alimentício, vidraçaria, telecomunicações e automobilística no período de 2006 a 2013, de acordo com levantamento da Receita Federal enviado ao juiz Sérgio Moro, que preside as investigações da operação.

As consultorias renderam à JD – fundada depois que José Dirceu deixou o governo e foi cassado pelo Congresso – nos últimos sete anos R$ 39,25 milhões, sendo que somente as empreiteiras OAS, Engevix, UTC, Camargo Corrêa, Egesa e Galvão Engenharia (veja quadro), pagaram R$ 7,5 milhões, segundo o documento da Receita Federal, que tem 17 páginas dedicadas ao petista.

O que chama a atenção da Força-Tarefa responsável da Operação Lava-Jato é o aumento da prestação de serviços às empreiteiras suspeitas, especialmente, no ano eleitoral de 2010, em 2011 e 2012. Somente em 2010, a JD faturou R$ 2,44 milhões com contratos com a Delta Engenharia, OAS, Egesa, Engevix, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia. E em 2012, outro ano de campanha eleitoral, empresas do mesmo grupo pagaram à consultoria de José Dirceu R$ 3,06 milhões, ou seja, quase a metade de todo o faturamento da JD naquele ano – R$ 7 milhões.

Essa e outras operações da JD levantaram suspeita no Ministério Público e da Polícia Federal, que agora investigam se a empresa realmente prestou serviços de consultoria. A suspeita é que eram movimentações financeiras dissimuladas para encobrir dinheiro desviado de contratos com a Petrobras.
A OAS, por exemplo, liberou R$ 2,4 milhões para a JD desde 2006, ano em que José Dirceu se tornou alvo das investigações do mensalão e que acabariam por levá-lo à prisão em 2013. Segundo a força-tarefa, a JD pode ter no esquema de desvio de recursos da Petrobras a mesma importância das empresas do doleiro Alberto Youssef.

As muitas faces de Dirceu

José Dirceu movimentou fortunas como consultor de empresas dos mais diferentes ramos


1946
Nasce em Passa-Quatro, Sul de Minas em 16 de março

1965
Inicia o curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo, quando também entra para o movimento estudantil. Neste mesmo ano, assumiu a vice-presidência do Diretório Central dos Estudantes, até 1966.

1967
Assume a presidência da União Nacional dos Estudantes de São Paulo (UNE), já durante a ditadura militar

1968
É preso em Ibiúna, no interior de São Paulo, durante o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes

1969
Os grupos guerrilheiros MR-8 e ALN sequestraram o embaixador dos Estados Unidos, Charles Burle Elbrick. Os revolucionários exigiram a libertação de uma lista de prisioneiros políticos, entre eles José Dirceu. Os presos trocados pelo embaixador, deportados do Brasil, seguiram para o México. De lá foram para Cuba e Paris.
Dirceu foi para Cuba, onde trabalhou e recebeu treinamento militar e estudou na ilha.

1971
Retorna clandestinamente ao Brasil e passa a viver em São Paulo e em algumas cidades do Nordeste, retornando um ano depois a Cuba. Antes, ele foi suspeito de ter participado do assassinato de um sargento da PM.

1975
José Dirceu se submete a uma cirurgia plástica e retorna ao país com o nome falso de Carlos Henrique de Gouvéia Mello. Vivendo em Cruzeiro do Oeste (PR), omite sua verdadeira identidade até mesmo de sua primeira mulher.

1979
Em dezembro, em razão da Anistia, retorna definitivamente ao Brasil.

1980
Participa da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), quando se aproxima do então metalúrgico do ABC paulista Luiz Inácio Lula da Silva.

1990
Vence a eleição para deputado federal.

1995
Com o apoio de Lula, é eleito presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, cargo para o qual se reelegeria em 1997 e 2001.

1998
Reassume uma cadeira na Câmara dos Deputados

2003
Com a eleição de Lula à Presidência, ele assume como ministro-chefe da Casa Civil, em janeiro. Transforma-se em homem forte da administração e candidato natural à sucessão do petista.

2005
Em junho, já sob pressão, em razão da acusação de ter montado e coordenado o escândalo do mensalão – esquema de pagamento de propina à base aliada do governo Lula em troca da aprovação de projetos de interesse da administração petista –, deixa o cargo. Ao sair, reassume sua vaga na Câmara.

Em dezembro, seu mandato é cassado por quebra do decoro parlamentar, em razão das acusações do mensalão. O placar da votação foi 293 votos a favor da cassação e 192 contra. Em razão disso, Dirceu ficou inelegível até 2015.

2006
Em março, foi denunciado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao lado de outras 39 pessoas, por envolvimento no mensalão, por crimes como corrupção ativa, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e peculato.

2012
n É condenado por corrupção e formação de quadrilha pela Corte do STF por seis votos a quatro.
Sua pena foi de 7 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto, além de multa de R$ 676 mil.

2013
Em 15 de novembro, Dirceu se entrega à Polícia Federal de São Paulo, depois que o então presidente do STF, Joaquim Barbosa, também relator do mensalão, expediu mandado de prisão contra ele.

2014
Visivelmente mais magro, em julho de 2014 ele recebe o direito de trabalhar. Deixou o presídio para trabalhar como auxiliar de biblioteca no escritório do advogado José Gertardo Grossi, ex- ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em outubro, Dirceu obtém o benefício da progressão de regime do semiaberto para o aberto, deixando o presídio depois de cumprir um terço da pena.

2015
Em julho, diante da ameaça de ser preso por suspeita de envolvimento no escândalo da Petrobras, Dirceu pede habeas corpus, que é negado pela Justiça.

3 de agosto, Dirceu é preso.

 

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