O juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Lava-Jato, disse que a população quer saber o 'efeito final' dos processos criminais, 'saber se a Justiça funciona ou não'. "Não podemos ter a Operação Lava Jato como um soluço que não gere frutos para o futuro", alerta Moro.
Sérgio Moro falou sobre o tema na manhã desta segunda-feira no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. As informações foram divulgadas no site do TRF4. O evento fez parte do curso "Direito Comparado - corrupção e processo penal: experiência nos Estados Unidos e no Brasil", promovido pela Escola da Magistratura (Emagis) da Corte federal.
Moro fez uma comparação entre os dois países. O juiz da Lava-Jato criticou o adiamento da punição. Segundo Moro, que é o responsável pelo julgamento em primeira instância dos denunciados na Operação Lava-Jato, a presunção de inocência deve ter vínculo com a questão probatória. "No Brasil, existem casos criminais em que a prova incriminatória é esmagadora, mastodôntica, com a responsabilidade demonstrada, e o réu insiste em ir até o final do processo, apostando na impunidade."
Moro fez referência a um artigo que escreveu em colaboração com o juiz federal Antônio Bochenek, publicado no Estadão, em que ambos manifestaram a necessidade de uma alteração na legislação do processo penal brasileiro que permita a prisão após a condenação já em primeira instância, tornando excepcional a liberdade na fase de recurso. "No Brasil vinculamos a presunção de inocência ao trânsito em julgado do processo, e têm homicidas confessos que ficam 10 anos sendo julgados em liberdade."
Sérgio Moro disse que a legislação brasileira incentiva o recurso. ""Nos Estados Unidos, o condenado responde a eventuais recursos já na prisão", ele observou. O juiz destacou que o sistema judicial brasileiro se assemelha mais à legislação italiana, caracterizando-se pela 'excessiva morosidade'.
Moro usou como exemplo a "Operação Mãos Limpas" deflagrada na Itália na década de 1990, que culminou com um número de investigados bem superior ao da Lava-Jato. "O caso, ocorrido entre 1992 e 1994, descobriu uma corrupção sistêmica disseminada na Itália. Cerca de 40% dos crimes acabaram sem julgamento de mérito. Boa parte se perdeu nos labirintos do processo penal italiano", lamentou.
Para evitar um desfecho parecido em investigações de grande porte no Brasil é que Moro insiste em uma mudança de cultura jurídica. Para ele, uma ferramenta poderia ser o instituto da admissão de culpa, usado comumente nos Estados Unidos.
O magistrado destacou que na América 80% a 90% dos casos criminais encerram-se com o reconhecimento da culpa, sendo resolvidos em nível regional. Para Moro, nos casos em que a prova é esmagadora, não se justifica o tempo e o custo do processo.
No instituto da admissão de culpa, também conhecido como transação penal, ocorre uma espécie de Justiça Criminal Consensual, na qual os casos são resolvidos em negociações entre o indiciado e o Ministério Público, evitando a abertura de processo criminal.
"Para a população, o que importa é o efeito final, é saber se a Justiça funciona ou não. Não podemos ter a Operação Lava Jato como um soluço que não gere frutos para o futuro. São necessárias reformas na legislação que aumentem a efetividade do nosso sistema", avalia Moro.
Papel da mídia
Questionado por participantes do evento da Escola da Magistratura (Emagis) do TRF4 sobre os limites da imprensa no caso Lava-Jato, Moro afirmou que a Constituição diz que o processo é público e que o segredo de Justiça só deve existir em dois momentos: para garantir a eficácia de uma investigação e para evitar a exposição da vítima.
"A publicidade do processo é o preço que se paga por se viver em uma democracia. É uma garantia à sociedade, principalmente em casos de crimes contra a administração pública. Esses processos devem estar submetidos ao escrutínio popular", concluiu.