“Priorizou grandes obras, como as de avenidas marginais, quase cem pontes e viadutos.” “Encontrou gás na bacia do Rio Paraná.” “Tomou decisões polêmicas e corajosas.” “Construiu usinas hidrelétricas.” Todas essas frases se referem a um político bastante conhecido no Brasil. Quem é ele? Pelos feitos de um homem que parecia estar à frente de seu tempo, o texto poderia até se referir ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, que levou com afinco a meta de promover 50 anos de progresso em cinco anos de mandato, entre 1956 e 1961. Mas não. As palavras elogiosas estão no site pessoal do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), ex-prefeito e ex-governador de São Paulo que, além das obras e realizações, acumula condenações e processos na Justiça.
Como a vida é feita de versões, nenhuma das pendengas com o Judiciário aparece na biografia exibida na página pessoal de Maluf na internet, que preferiu pular os capítulos mais conturbados de seu passado. Maluf, porém, não está sozinho na opção de contar apenas o lado bom da história. Ele é acompanhado por uma série de políticos de trajetória, no mínimo, controversa, como o ex-presidente Fernando Collor, os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-deputado federal José Genoino (PT-SP). Ao ler as “biografias autorizadas” nos sites dos políticos, a impressão é de estar diante de verdadeiros heróis.
A biografia de Maluf, por exemplo, usa e abusa de verbos como “construiu”, “expandiu”, “inaugurou”, “criou”, “implantou”, mostrando um perfil empreendedor. Também conta que ele foi considerado, em 1999, o melhor prefeito que São Paulo já teve, mas não menciona que foi escolhido pela ONG Transparência Internacional como modelo de corrupção a ser combatido.
O texto até cita as realizações do político na Paulipetro, empresa criada por ele quando governador (1979-1982) para extrair, sem sucesso, petróleo e gás natural na bacia do Rio Paraná. Por causa disso, Maluf foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a ressarcir os cofres públicos por prejuízos causados pelo consórcio – mas essa informação não faz parte da história que o político escolheu contar.
Também não consta o episódio do processo na Justiça francesa nem que ele foi preso, em 2005, por evasão fiscal, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, entre outros crimes. Tampouco há na biografia menção à condenação por improbidade administrativa na construção do Túnel Ayrton Senna ou os motivos pelos quais o deputado quase foi impedido de tomar posse como deputado, por causa da Lei da Ficha Limpa.
Confira como alguns políticos se apresentam e tente advinhar de quem se trata:
Luta contra a ditadura militar
A trajetória do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) é outra recheada de feitos de um político ilibado, que lutou contra a ditadura militar no Brasil e foi um dos “nomes nacionais do processo de redemocratização do país”. O site traz uma lista de obras e realizações durante sua gestão como governador do Pará. Jader, aponta a biografia, é um “notório nome da vida pública paraense e brasileira”, e, “desde 1967 até hoje nome decisivo em qualquer eleição no Pará e relevante no país”.
No site do político, entretanto, o internauta não fica sabendo que, até maio, ele era réu em ação de desvio de verba da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), um dos processos a que respondeu na Justiça, e prescreveu. E que o episódio motivou Jader a renunciar ao mandato de senador, em 2001, quando era presidente da Casa. Aliás, em 2002, o político chegou a ser preso por causa dessa ação. Em 2011, não pôde assumir sua cadeira no Senado por divergência no STF sobre a Lei da Ficha Limpa – a posse ocorreu apenas em dezembro.
Herança positiva Os mais curiosos não devem deixar de ler a biografia do ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTB-AL) no site do político, que reescreve a história do Brasil. “Isolado pela classe política e sem apoio do Congresso Nacional, foi alvo de julgamento político, culminando com a sua renúncia à Presidência da República. Mais tarde (1994 e 2014), seria inocentado nos dois processos que tramitaram no Supremo Tribunal Federal (STF)”, descreve o texto.
De fato, Collor, denunciado este mês pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Operação Lava-Jato, acabou inocentado de acusações de peculato, corrupção e falsidade ideológica nos processos abertos em 1992. Mas a biografia não cita o processo de impeachment sofrido pelo presidente, no mesmo ano, nem a mobilização social pedindo o afastamento de Collor, que levou milhares de brasileiros de cara pintada às ruas.
De acordo com o site do ex-mandatário, “em apenas dois anos à frente do comando do país, Collor deixou uma herança positiva”. Nessa versão da história, passa em branco o drama vivido pelos brasileiros, que enfrentaram inflação nas alturas, confisco de poupança e políticas radiciais para salvar a economia, conhecidas como Plano Collor.
Bolsa-família Presidente do Senado e atual “fiel da balança” do governo Dilma Rousseff (PT), o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) também tratou de contar na biografia pessoal de seu site a versão mais irrepreensível de sua história. Uma figura que, quando ministro da Justiça do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1998, lutou contra a corrupção. Um líder, que foi o relator do Bolsa-Família, principal programa social do governo do ex-presidente Lula.
Mas a história é maior que os feitos e, mesmo sem contar, Renan tem no currículo processos na Justiça e até renúncia à Presidência do Senado, em 2007, para evitar a cassação do mandato. O peemedebista, que agora está no alvo da Lava-Jato, já foi acusado de ter despesas pagas por lobista da construtora Mendes Júnior, que bancava as contas de relacionamento extraconjugal dele. Também foi questionado pela suspeita de comprar rádios e um jornal de Alagoas em nome de laranjas. Além disso, o senador esteve em meio a polêmicas que envolvem empresas-fantasmas, uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a festas e outras tantas já arquivadas.
Há quem reconheça problemas na Justiça. É o caso do ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, que é tratado, em sua página, como um homem que “defendeu no Congresso (…) ética na política”, entre outras boas ações. É bom lembrar que ele foi réu no processo do mensalão e chegou a renunciar ao mandato em 2013 para evitar cassação. Preso em 2013, em março deste ano teve a pena extinta pelo STF. Na versão de Genoino, a condenação é tratada como bandeira de luta. “Atualmente, além da construção de seu mandato como deputado federal, Genoino dedica-se a provar sua inocência nas acusações da Ação Penal 470 (mensalão) e à luta para reverter sua condenação no STF”, aponta o texto em seu site.