Jornal Estado de Minas

"Traição entre criminosos", diz Moro sobre delações

São Paulo – O juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Operação Lava-Jato no Paraná, afirmou ontem que a colaboração premiada não deve ser adotada em todos os casos nem ser utilizada sem regras. “O mais importante é definir em quais casos ela deve ser adotada”, disse. Em resposta a críticas à colaboração, afirmou que o delator comete realmente uma traição, mas que se trata de “uma traição entre criminosos”. “Às vezes, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas de crimes são os próprios criminosos. Uma das regras é que tudo o que o colaborador disser, precisa encontrar prova de colaboração. (...) Não se está traindo a Inconfidência Mineira, não se está traindo a Resistência Francesa”, disse o juiz no encontro com advogados, brincou, recebendo aplausos do público.

Segundo o juiz, todos ganham com a colaboração premiada, inclusive advogados e reús. “Mais do que um método de investigação, ela é um meio de defesa. Para um advogado que auxilia seu cliente a obter, dentro do que é previsto na lei, esse benefício, eu não vejo nenhum tipo de reprovação”, disse.

Moro ainda afirmou entender as críticas feitas por advogados ao método. “Às vezes, alguns são um pouquinho agressivos, mas, em geral, isso deve ser compreendido dentro do calor do debate”, afirmou. Disse ainda que, se a colaboração premiada é o caminho necessário para prender grandes chefes criminosos, então é o caminho certo a ser tomado pela Justiça.

A fala de Moro é uma resposta à presidente Dilma Rousseff, que, em junho, disse em entrevista que “não respeitava delator”, ao ser questionada sobre os depoimentos do dono da Construtora UTC, Ricardo Pessoa, que citou políticos da base aliada de seu governo como beneficiários de crimes de corrupção. Na ocasião, a presidente citou um personagem da Inconfidência Mineira para tentar explicar porque não respeitava delator.

“Tem um personagem que a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator, até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar em uma delatora.
A ditadura fazia isso com as pessoas presas. Então, não respeito nenhuma fala. Agora, acho que a Justiça, para ser bem precisa, tem que pegar tudo que ele disse e investigar, sem exceção”, disse Dilma, na época.

Silvério dos Reis era um coronel mineiro no século 18. Crítico dos altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa, integrou a Inconfidência Mineira, que planejava lutar pela independência do Brasil. No entanto, diante da possibilidade de ter suas dívidas perdoadas pela Coroa, ele delatou outros inconfidentes e o movimento foi reprimido.

O juiz da Lava-Jato deu as declarações durante uma palestra na subseção do Jabaquara da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. No evento, ele foi aplaudido diversas vezes e elogiado pelas pessoas presentes. Em resposta aos elogios, Moro disse não merecer tanta atenção do público e não ter vocação para celebridade. “Sou apenas um juiz.
Na verdade, neste caso, meu papel é um papel passivo. Quem faz a investigação é a Polícia Federal, o Ministério Público.”

JÚRI POPULAR Ao ser perguntado sobre o uso de foro privilegiado, declarou-se contra, por considerar que “todos devem ser tratados igualmente”. Porém, disse que, mesmo quando há foro privilegiado, “não ocorre nenhum tipo de impunidade”.

Moro também afirmou ser simpático à ideia de que crimes de corrupção sejam julgados por júri popular. Disse, porém, que o tribunal de júri pode ser muito caro financeiramente. “Do ponto de vista prático, tenho dúvidas se seria economicamente possível abarcar algo além dos crimes dolosos”, declarou.

Cunha no STF

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que o ministro Teori Zavascki reconsidere sua decisão, na qual negou que o juiz Sérgio Moro o tenha investigado, ou deixe o plenário avaliar se o magistrado usurpou competências do tribunal. Antes de ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no esquema de corrupção da Petrobras, Cunha entrou com um pedido para anular eventuais provas produzidas contra ele sob a condução de Moro. O alvo era o depoimento do lobista Júlio Camargo, no qual ele citou pagamento de propina de US$ 5 milhões para o peemedebista. A declaração de Camargo, que mudou sua primeira versão apresentada na delação premiada, também foi feita aos investigadores da PGR..