Se as contas de 2016 já não fechavam, em meio à severa retração da economia, agora ficou tudo pior. Especialistas estimam que o descompasso entre receitas e despesas em torno de R$ 140 bilhões. As estimativas eram de um rombo de R$ 80 bilhões. Mas vêm crescendo diante das frustrações com a arrecadação tributária.
O quadro é extremamente preocupante porque o governo registrou déficit primário no ano passado, ou seja, não sobrou dinheiro sequer para pagar os juros da dívida pública. Neste ano, a previsão de superavit primário foi revisada de 1,1% para 0,15%, mas ninguém acredita que o resultado ficará positivo
É por essa razão que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vê com grandes restrições a ideia de explicitar o déficit. Com a perda do grau de investimento, ou simplesmente a perspectiva de que o Brasil perderá o selo de bom pagador, o pessimismo vai crescer ainda mais, agravando a crise. Ele insiste em um corte mais radical de despesas, incluindo algumas das obrigatórias. Mas está isolado no governo.
No sábado à tarde, Levy nem sequer participou da reunião que os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) tiveram com Dilma no Palácio da Alvorada. Nesse encontro, ela bateu o martelo contra a CPMF. Levy, enquanto isso, falava em um evento em Campos do Jordão (SP), onde chegou a defender o imposto. Retornou a Brasília a tempo de participar de novo encontro de ministros com Dilma à noite, mas muita coisa já estava decidida.
O governo está tentando aumentar a Desvinculação de Receitas Obrigatórias (DRU) de 20% para 30%, como forma de ter margem maior de manobra para cumprir a meta fiscal de 0,7% do PIB prevista para 2016. O economista José Matias-Pereira, professsor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), calcula que o rombo nas contas públicas, já próximo a R$ 140 bilhões, poderá crescer rápido aos R$ 150 bilhões porque alguns preceitos não estão sendo considerados.
Além de 92% das receitas serem vinculadas – gastos com Previdência, folha de servidores e projetos sociais –, e da expectativa de aumento da folha de pagamento, há o peso da crise política. “Apesar de o governo ter sido perdulário e cometido erros imperdoáveis, lamentavelmente é da natureza dos parlamentares cuidar dos seus próprios interesses. Ampliam gastos de forma insensata. Sem culpa. Nem passa pela cabeça deles ser corresponsável pelo desenvolvimento do país”, criticou.
PEDALADAS Para Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, o Orçamento é tradicionalmente pouco confiável, algo que precisa mudar. “Neste momento de falta de credibilidade, o ministro Levy já tomou a principal atitude, que foi acabar com as pedaladas fiscais. Agora, a estratégia será chamar o Legislativo à realidade. O Congresso terá que ajudar a reduzir as despesas obrigatórias, que, juntas, equivalem a cerca de R$ 1,2 trilhão, em 2015. Não tem outra saída”, destacou.
Para Carlos Eduardo de Freitas, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF), 2015 e 2016 serão, sem dúvida, mais dois anos de déficit fiscal. E, se o governo não ajustar os gastos, 2017 não será diferente. “Embora alguns colegas não concordem, eu creio que uma boa iniciativa seria aumentar a DRU, desde que alguns ajustes sejam feitos nas despesas obrigatórias”, assinala Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC). Ele disse que, muitos dos projetos assistenciais, que a sociedade vem pagando, são idênticos e não têm o acompanhamento necessário. “As pessoas confundem destinar dinheiro com eficiência. Não são a mesma coisa. E se a renda está caindo, toda estrutura muda. A despesa do governo tem que cair”, assinalou.
PESSOAL Freitas sugeriu ainda que, quando o PIB não crescer, o governo não deveria dar sequer reajustar os salários do funcionalismo público. “Gastos com pessoal, educação, saúde e assistência social devem ser tabelados. E aumentar em percentuais abaixo do PIB. Se o crescimento econômico for de 2%, por exemplo, esses gastos não podem, individualmente, ser superiores a 0,2% ou 0,3%. É um raciocínio aritmético. Mas aí, o governo favorece umas carreiras, outras, não, vem greve de todos os lados. Enfim, estamos em uma trajetória perigosa e preocupante”, afirmou Freitas.
A possibilidade de o governo voltar a discutir aumentos de impostos ainda não está descartada, incluindo a CPMF, na opinião de Roberto Piscitelli, especialista em orçamento e professor da UnB. “O buraco nas contas públicas é fundo. Seria necessária alguma medida de efeito arrecadatório poderoso a curto prazo. E eu não vejo outra mais eficaz”, afirma. Além disso, as opções até o momento anunciadas pelo governo para cortar os gastos são de pequena monta. A redução de 10 ministérios, por exemplo, já anunciada pelo governo, será pouco eficiente, avalia.