Três associações nacionais de juízes decidiram nessa qurata-feira (2) unir forças para tentar barrar a aprovação, em segundo turno, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 471, que derruba a exigência de concurso público para efetivação de titulares de cartórios extrajudiciais. A PEC foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, no último 26. Por meio de nota técnica, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) afirmam que a PEC “contraria frontalmente os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência, ao mesmo tempo que vulnera a ‘regra de outro’ que consagra a investidura na atividade dos serviços extrajudiciais pela via isonômica e republicana do concurso público”. A votação, em segundo turno, deve acontecer ainda este mês, logo após o feriado.
A missão, no entanto, é espinhosa já que a PEC 471 passou por uma diferença esmagadora: 333 parlamentares votaram a favor, 133 foram contra e houve seis abstenções. Segundo dados de 2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a proposta vai beneficiar cerca de 4,5 mil pessoas com titularidade provisória, entre os 13.785 cartórios existentes no Brasil. Somente em Minas, serão 797 beneficiados, sendo que 530 cartórios estão sem titular e 266 têm substituto em razão da remoção. Dos 53 deputados federais de Minas, apenas oito votaram contra a aprovação e houve duas abstenções. Antes da Constituição de 1988, a titularidade dos cartórios extrajudiciais era usadas como moeda política e a posse era repassada por hereditariedade.
Para as entidades de juízes, a supressão do concurso público, prevista na revisão constitucional, é um “retrocesso sem precedente”, que, além de ferir de acesso ao serviço público, prejudicaria ainda mais de 100 mil candidatos aos concursos em andamento. Com a aprovação em segundo turno da PEC, eles seriam cancelados. Já estão em fase final, as seleções na Bahia, Espírito Santo e Minas. A candidata Amanda Leite, que se prepara há quatro anos para o concurso, diz que foi formada a Associação Nacional de Concursos de Cartórios que tenta mobilizar os parlamentares. “Não estamos lutando apenas em defesa de um interesse pessoal, mas em defesa de um direito previsto na Constituição”, diz. Desde o início da semana, um grupo de candidatos está em Brasília para sensibilizar os deputados.
Se na Câmara a aprovação não passou por sustos, na sociedade a repercussão caminhou em sentido contrário. Além dos juízes, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também já se posicionaram contrários à eliminação dos concursos. No mesmo sentido, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também emitiu nota em que afirma: “Não é possível que em pleno século 21 uma PEC que não atende aos vários princípios republicanos seja avalizada”. De acordo com a Ordem, a proposta traz critérios que se assemelham a uma monarquia, ao manter a hereditariedade dos cartórios e eternizar direitos e privilégios de pessoas por causa de consanguinidade. “Não bastassem tais problemas, do ponto de vista legal a matéria é, inclusive inconstitucional, ela fere o direito daqueles que fizeram concurso e aguardam momento de assumirem suas vagas”, conclui o texto.
INTERIOR Os defensores da proposta alegam que os tribunais de Justiça não cumprem o prazo de seis meses para realização de concurso para cartórios, o que prejudica a população do interior do país. A deputada Gorete Pereira (PR-CE) afirma que os aprovados em concurso não aceitam os cartórios de cidades do interior e, portanto, é necessário garantir o funcionamento desses estabelecimentos. “Não se está proibindo concursos para cartório, mas regularizando cartórios. Há uma grande quantidade de pessoas que fazem concurso em todo o Brasil e não assume no interior, pela pouca rentabilidade”, disse a parlamentar. Argumento reforçado pelo líder do PTB, o deputado Jovair Arantes (GO). Ele sustenta a tese de que os tribunais de Justiça já promoveram concursos para os grandes cartórios e que, portanto, a proposta só vai ser aplicada aos municípios pequenos. “O que está acontecendo é que as pessoas têm de se deslocar 200 quilômetros para registrar um óbito ou um nascimento”, disse.
O que diz a lei
O artigo 236 da Constituição Federal estabelece que:
Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.