Com o bate-cabeça entre a Câmara dos Deputados e o Senado em torno do financiamento das campanhas políticas, as eleições municipais do ano que vem têm tudo para seguir na velha toada. Para especialistas, a proposta aprovada na Câmara autorizando a doação de empresas a partidos políticos, alterada no Senado Federal coibindo a prática, e que agora será restabelecida na Câmara – conforme já anunciou o presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) –, representa um retrocesso na fiscalização, na transparência e no controle das contas. Além disso, ela não avança em aspectos desconsiderados atualmente pela legislação: a definição de teto para arrecadação e gastos dos partidos políticos.
Mas, pela nova proposta no Congresso, as chamadas doações estimáveis, que não são em dinheiro, repassadas pelos partidos, comitês e candidatos, não precisam ser registradas, esclarece Júlio César. Se a sistemática passar até 2 de outubro – um ano antes das eleições –, um candidato a prefeito poderá, por exemplo, fazer a maior parte de sua campanha sem registro. “A empresa repassará os recursos financeiros aos partidos, e estes, depois de contratar os serviços, farão as doações estimadas a esse candidato, que poderá, caso passe a nova regra, não fazer qualquer registro dessas transações de bens estimados. Há possibilidade de apresentar à Justiça Eleitoral a prestação de contas zerada”, afirma Júlio César.
Há outros aspectos no texto aprovado que retomam a velha queda de braço entre Congresso Nacional e a Justiça Eleitoral, rebatendo dispositivos de resoluções do TSE. Candidatos que atualmente recebem recursos de fontes vedadas ou não identificadas têm, de acordo com resolução do TSE, de devolver os recursos ao Tesouro Nacional. É uma punição, uma espécie de multa. “Mas isso muda pela proposta que tramita no Congresso. Quem receber de fonte vedada devolverá o recurso ao próprio doador. O candidato usará na campanha e, depois, quando identificada a irregularidade, o devolverá à fonte vedada”, afirma Júlio César. Já para as empresas que doam e extrapolam o limite de 2% do faturamento no ano anterior, a punição fica mais branda. Atualmente, a multa varia de cinco a 10 vezes o valor extrapolado. “A mudança sugere agora multa de, no máximo, cinco vezes o valor extrapolado.”
História de Escândalos
As relações promíscuas envolvendo dinheiro e eleições não são novas. Os cientistas políticos e pesquisadores Vitor Moraes de Peixoto e Mauro Macedo Campos, ambos professores da Universidade Estadual do Norte Fluminense, lembram a atuação político-eleitoral do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) no início da década de 60: “Compra de espaços de propaganda no rádio e na televisão para veicular as propostas dos seus candidatos, agências de publicidade pertencentes ao próprio grupo para formatar as plataformas e veiculá-las não apenas durante o período eleitoral, como também entre as eleições”, contam eles, lembrando que a proibição de propaganda paga ocorreu na primeira metade da década de 1970. E a relação entre partidos, candidatos e agências de publicidade só veio a ser dimensionada após o mensalão.
Foi na ditadura que chegou a primeira inovação institucional: o Código Eleitoral de 1965, que proibiu o financiamento efetuado por empresas com fins lucrativos. A regra se estendeu até 1993, quando o escândalo do esquema PC Farias motivou a resposta do Congresso, que aprovou a Lei 8.713, validando as doações de pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos, inclusive com a possibilidade de dedução do Imposto de Renda. Se, pelo Congresso Nacional, de lá para cá, a legislação eleitoral relativa ao financiamento apresentou poucas variações em torno da participação das empresas privadas, tornando lícito o que, até então, se dava de forma marginal, o mesmo não se pode dizer das resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, ao regulamentar as eleições, a cada ano fecha cerco do controle e da fiscalização das contas de campanha, “legislando” sobre a omissão do Congresso Nacional.