Brasília – O dono da empresa UTC, Ricardo Pessoa, que delatou ter repassado pelo menos R$ 62 milhões em propina para irrigar de maneira travestida de legalidade campanhas de 18 candidatos de seis partidos, incluindo legendas oposicionistas e da base de sustentação do governo, vai prestar depoimento hoje na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. No esquema exposto pelo empreiteiro, são citados políticos do PT, PSDB, PTB, PP, PMDB e PSB. Na noite de ontem, porém, o ministro-relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, concedeu a Pessoa o direito de permanecer em silêncio na comissão.
Em 27 depoimentos prestados ao Ministério Público Federal (MPF), Pessoa afirmou que fez repasses de R$ 7,5 milhões para a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) e R$ 2,4 milhões, em 2006, para a do ex-presidente Lula. As declarações do dono da UTC que estavam em sigilo, se tornaram públicas ontem e constam em um documento encaminhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos depoimentos de delação premiada, além do montante de propina que teria sido carimbado como doação legal pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o empreiteiro teria mencionado ainda o repasse de R$ 3,6 milhões para o caixa dois do PT. Em seu relato, Pessoa disse que o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, presenciou um acerto de caixa dois para financiar sua campanha, em 2010, quando concorria ao governo de São Paulo pelo PT. No mesmo depoimento, O empreiteiro relatou pagamentos ilegais ao senador Aloysio Nunes (PSDB-SP).
Segundo o dono da UTC, o encontro ocorreu na casa de Mercadante em São Paulo, com as presenças do então coordenador da campanha ao governo e atual presidente do PT-SP, Emídio de Souza, e do presidente da Constran, João Santana, empreiteira que pertence ao mesmo grupo da UTC. Empresários e políticos bateram o martelo de uma doação de R$ 500 mil. Foi quando, pelo relato de Pessoa, Emídio pediu a ele que R$ 250 mil fossem doados oficialmente e outros R$ 250 mil, em espécie.
Quanto a Aloysio Nunes, o delator afirmou que esteve em São Paulo em um escritório político do tucano, que pediu ajuda financeira por meio de caixa dois da campanha ao Senado. Também de acordo com a transcrição do depoimento, Nunes “solicitou que o pagamento fosse feito da seguinte forma: R$ 300 mil oficialmente e R$ 200 mil em dinheiro”. Além dos dois, participou do encontro o presidente da empreiteira Constran. O delator não detalhou como ocorreu a entrega dos valores nem quem fez a intermediação para a campanha do tucano, mas afirmou que também usou os serviços de Roberto Trombeta para gerar o dinheiro em espécie.
Tanto Mercadante quanto Aloysio refutam as alegações de Pessoa e negam ter discutido doações por meio de caixa dois. Ambos afirmaram ter pedido contribuições financeiras “nos termos da lei eleitoral”.
Em um dos depoimentos de delação premiada, Pessoa contou que o dinheiro da propina era entregue diretamente ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, um dos presos da Operação Lava-Jato. Ele declarou que os encontros para entrega do suborno ocorriam na sede da UTC. O empresário, inclusive, entregou aos investigadores vídeos do circuito interno para provar que o petista foi diversas vezes ao local.
Ele ressaltou que, quando o ex-tesoureiro ia buscar o suborno, sempre avisava antes. “Todas as vezes em que Vaccari foi buscar dinheiro em espécie, havia prévio aviso, seja em reunião anterior ou por meio de mensagem em que Vaccari mencionava que buscaria o pixuleco”, disse.
Segundo relatos do empresário, também receberam doações da UTC o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (R$ 3,2 milhões); o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (R$ 2,6 milhões); e o secretário municipal de Saúde de São Paulo, José de Fillipi (R$ 750 mil). Todos atestam a legalidade das doações e afirmam que os recursos recebidos foram aprovados pelo TSE. O senador Fernando Collor (PTB-AL), já denunciado pela PGR, recebeu, no total, R$ 20 milhões. São citados ainda, entre outros, o senador Benedito de Lira (PP) e o deputado Julio Delgado (PSB).
AFASTAMENTO Integrante da CPI da Petrobras, o deputado Julio Delgado (PDB-MG) afirmou que torce para que Ricardo Pessoa fale hoje. Ele voltou a dizer que, após fazer seus questionamentos, deve deixar de integrar o colegiado. “Quero que ele esclareça tudo o que disse. Não posso ser colocado neste meio. Não posso pedir para colegas citados se afastarem e eu permanecer integrando a CPI. É uma questão de coerência”, afirmou. O deputado disse que, se existir uma retratação, não haverá motivo para se afastar. “Agora, se após o depoimento, ainda pairar algum tipo de dúvida sobre a minha conduta, eu faço o desligamento”, prometeu. (Com agências)
Lula reclama de perseguição
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou, ontem, do delegado federal Josélio Azevedo de Sousa, que pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que ele fosse ouvido no inquérito que trata de parlamentares com foro privilegiado no âmbito da Lava-Jato. Em conversas com aliados, Lula afirmou que essa é uma tentativa de atingi-lo politicamente, uma vez que o próprio delegado reconhece, em seu relatório, não haver provas de seu envolvimento direto no desvio de recursos da Petrobras. Após chegar de viagens ao Paraguai e à Argentina, Lula conversou nesse fim de semana com aliados sobre a atuação de Josélio. Segundo seus interlocutores, Lula afirmou que o pedido será usado como munição da oposição. Ainda segundo eles, o ex-presidente reclamou de excessos cometidos por delegados da PF sob a condução do ministro José Eduardo Cardozo.