Brasília - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu "fatiar" um dos desdobramentos da Lava-Jato, no qual foram encontrados indícios contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) com suspeitas de fraude no Ministério do Planejamento, para que o caso seja apartado das investigações do esquema de corrupção na Petrobras.
A maioria dos ministros entendeu que a investigação não deve ficar sob relatoria de Teori Zavascki, responsável pela Lava-Jato na Corte, e de Sérgio Moro, juiz que conduz a Operação na primeira instância. Com a decisão, apurações sobre a petista ficarão com o ministro Dias Toffoli e a parte do caso que envolve o ex-vereador do PT Alexandre Romano, que não tem foro privilegiado, será encaminhada à Justiça de São Paulo.
A decisão abre brecha para que advogados tentem tirar das mãos de Moro "braços" da Lava-Jato, que não têm relação com o núcleo central do esquema originalmente investigado. É o caso das apurações sobre a Eletrobrás, por exemplo. Questionado ao deixar o STF se a decisão prejudica as investigações, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, limitou-se a parafrasear Santo Agostinho, usando uma expressão em latim para dizer que a causa está encerrada: "Roma locuta, causa finita", disse à reportagem.
Na sessão do Supremo, Janot defendeu a manutenção da investigação que envolve o caso de Gleisi e fraudes no Planejamento com Zavascki e com Moro. De acordo com ele, a Procuradoria não analisa uma organização com vários ramos, o que exige a concentração das ações com o mesmo magistrado que conduz a Lava-Jato.
"Existe uma operação de mesma maneira, mesmos atores, mesmos operadores econômicos, que atuaram no fato empresa Consist e no fato empresa Petrobras. Não estamos investigando empresas nem delações, mas uma enorme organização criminosa que se espraiou para os braços do setor público", disse o procurador.
Zavascki, no entanto, disse que já existe no Supremo, entre os quase 30 inquéritos abertos a partir da Lava-Jato, uma investigação sobre a "organização geral" da corrupção na Petrobras. Os demais fatos, disse o ministro, são investigados separadamente.
"A PGR, por opção própria, preferiu fatiar essas investigações e ações penais, solicitou que fossem abertos inquéritos perante o STF sobre fatos específicos", disse o relator da Lava-Jato.
Indícios encontrados contra a senadora Gleisi Hoffmann no curso das investigações da Lava-Jato foram encaminhados em agosto por Moro ao STF. A suspeita é que a petista seria beneficiária de fraudes envolvendo a empresa Consist e o Ministério do Planejamento.
A mesma investigação gerou uma denúncia contra o ex-vereador do PT Alexandre Romano, que deve ser conduzida na primeira instância. O material foi redistribuído por sorteio ao ministro Dias Toffoli, após Zavascki entender que não há relação com o esquema de corrupção na Petrobras.
Novo relator do caso, Toffoli defendeu a redistribuição no plenário. Pelo entendimento do ministro, as menções a Gleisi devem permanecer no STF e apurações sobre outros investigados sem foro privilegiado devem ser enviados a São Paulo e não à Justiça Federal no Paraná, onde seriam conduzidos por Moro.
Janot argumentou que os pagamentos irregulares se deram por intermédio de dois escritórios em Curitiba, o que faria com que o caso fosse enviado para a Justiça Federal no Paraná, mas Toffoli disse que o crime foi consumado em São Paulo.
"Nenhum órgão jurisdicional, portanto, pode se arvorar em juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários à revelia das regras de competência. Não se cuida, à evidência, de censurar ou obstar as investigações, que devem prosseguir com eficiência para desvendar todos os ilícitos praticados. E há Ministério Público, há Polícia Federal, há juiz federal em todos os Estados do Brasil, com uma capilaridade enorme", disse Toffoli. "Só há um juízo no Brasil? Estão todos os outros juízos demitidos de sua competência?", questionou o ministro.
Votaram com Zavascki e Toffoli os ministros Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e o presidente, Ricardo Lewandowski. O ministro Luís Roberto Barroso concordou com a redistribuição interna, para que o caso saia do gabinete do ministro Teori Zavascki, mas defendeu que o STF não determinasse que São Paulo seria o juízo competente no primeiro grau.
Já os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello ficaram vencidos e votaram pela permanência do caso de Gleisi com Teori Zavascki e pela remessa da denúncia contra Romano ao juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Mendes sugeriu que a dispersão atrapalha as investigações.
"O que se espera é que os processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga em português claro", afirmou o ministro. Ele disse ainda que o procurador-geral da República precisa de "um GPS para entrar nesse emaranhado, talvez a mais complexa organização criminosa que já se organizou no país".
"Espalhar processos por Uberaba, São Paulo, Cuiabá certamente estará contribuindo para esse grau de confusão que se quer. (...) Estamos falando de um dos maiores senão do maior caso de corrupção no mundo", disse Gilmar Mendes.
Lewandowski rebateu as insinuações e afirmou que, com a decisão, o Supremo evita possíveis "nulidades" nas investigações. "Não se está beneficiando quem quer que seja, pelo contrário, a Corte está afastando eventuais alegações de nulidade no futuro", disse o presidente. O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, disse que era preciso evitar que fossem tomadas decisões conflitantes no julgamento da "organização criminosa de projeção tentacular" investigada pela Lava-Jato.