Jornal Estado de Minas

Ideologia de gênero provoca bate-boca na Câmara de Belo Horizonte

 

De um lado, cartazes com os dizeres “Não mexam com as nossas crianças”. Do outro, faixas pedindo respeito à questão de gênero e à diversidade sexual. De todos os cantos, uma plateia exaltada e raivosa. E, no meio desse campo de batalha, a discussão em torno do Plano Municipal de Educação (PME) de Belo Horizonte, que definirá as diretrizes do ensino público na capital nos próximos 10 anos. Na audiência pública sobre o PME ontem, na Câmara Municipal, pouco se falou sobre qualidade de ensino, valorização do professor ou estrutura das escolas. A polêmica em torno da chamada “ideologia de gênero” tomou conta da Casa Legislativa, num debate acalorado que quase virou briga – entre participantes e até entre vereadores.

Embora o texto do plano municipal não traga qualquer menção a uma “ideologia de gênero”, a bancada católica e evangélica, amparada por movimentos religiosos e em defesa da família, teme que a escola passe a ensinar que meninos e meninas não têm um sexo definido e até introduza banheiros unissex. É a terceira vez que o assunto centraliza as discussões em torno do PME, agora em audiência convocada pelo vereador católico Professor Wendel (PSB).
“Qualquer vereador tem condição de colocar emendas. Sei de vereadores favoráveis à inclusão do termo”, afirmou o parlamentar, sem citar nomes.


O vereador Arnaldo Godoy (PT) desafiou todos a encontrar no plano algo que remeta a essa ideologia. “Não existe isso. A questão de gênero é secular. É a questão do feminino e do masculino. É a submissão da mulher. A questão de gênero está sendo confundida aqui.

Ou não vamos discutir mais sobre racismo e homofobia?”, questionou o parlamentar, cobrando mais foco nos debates sobre educação e criticando o colega. “Você (Wendel) convocou no seu panfleto uma audiência sobre ideologia de gênero. Temos que discutir é o aprendizado”, disse. Professor Wendel respondeu que vereadores têm total liberdade para discutir o que for de interesse.

Mais exaltados que os parlamentares estavam os participantes. “É uma ideologia que está incutida no ensino, que perverte a mentalidade dos filhos sem os pais saberem”, afirmou o presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Adrian Paz, vaiado pela plateia LGBT – sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros –, enquanto movimentos em defesa da família gritavam “respeito”.

O diretor do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos), Bruno Beltran, cobrou ações em favor da população LGBT. “Queremos discutir identidades, e não ideologia. O que não sabem é que a maioria se descobre criança. Precisamos de amparo.
Muitas famílias colocam transsexuais na rua. Queremos construir uma sociedade igualitária”, afirmou. A defensora pública Júnia Carvalho, que atua na área de direitos humanos, afirmou que 90% dos transsexuais que a procuram abandonaram a escola antes de se formar.

Educação

Professores e militantes da educação criticaram que a audiência pública sobre o Plano Municipal de Educação (PME) não tratou sobre as questões mais centrais da área. “Estamos com uma greve marcada para o dia 30, numa audiência sobre educação e até agora vossas excelências (vereadores) não se posicionaram a favor dos professores, da qualidade do ensino, do planejamento das aulas”, disse o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Municipal (Sind-Rede/BH), Anderson Rocha. A integrante da Comissão de Mães, Neuma Soares, saiu decepcionada da audiência. “Esse movimento contra a ideologia de gênero tira o foco da discussão da qualidade. E, além do mais, família é aquela que cria com amor. Pode ser homem com homem, mulher com mulher, avó”, disse.

 

Entenda o caso

A ideologia de gênero têm sido debatida em todo o país, a exemplo do que ocorreu, no ano passado, durante a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) pelo Congresso Nacional. Na época, segmentos mais conservadores conseguiram tirar trechos que tratavam sobre questões de gênero. Mas a discussão ganhou repercussão maior em BH por causa de episódio na Unidade Municipal de Educação Infantil Santa Branca.

Em abril, um menino de 4 anos fez xixi na calça porque não queria ir ao banheiro junto de meninas. Segundo o pai, os banheiros estavam sendo usados de forma unissex, seguindo diretriz da prefeitura. A Secretaria Municipal de Educação de BH (Smed) informou na época que as placas foram retiradas para manutenção.

.