Responsável por conduzir a primeira etapa do processo de análise do parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas do governo Dilma Rousseff (PT) no Congresso, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) passou por fases da vida muito parecidas com as da presidente da República. Mineiras, as duas participaram na juventude de organizações de esquerda em Belo Horizonte contrárias ao regime militar e saíram fugidas do estado para não serem presas pela repressão. Enquanto Dilma foi presa em 1970 e depois se mudou para o Rio Grande do Sul, a presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), dois anos mais nova do que a presidente, se mudou para o Espírito Santo em 1975 para evitar a “truculenta polícia mineira”. Agora, caberá a Rose de Freitas controlar o cumprimento dos prazos do processo no colegiado, que pode se transformar no primeiro passo no Congresso para o impeachment de Dilma Rousseff.
No ano passado, a parlamentar apoiou o senador Aécio Neves (PSDB) na disputa presidencial vencida por Dilma. Apesar de ser integrante do PMDB, partido do vice-presidente da República, Michel Temer, Rose participou da campanha do tucano e chegou a dizer que Temer não era candidato porque não existia eleição de vice-presidente. Depois de vencer a disputa pelo Senado, ela voltou atrás e recusou o rótulo de oposição ao governo Dilma: “Temos profundas diferenças com o PT. Mas ninguém é eleito para ser oposição. Ninguém sai com disposição de ser oposição a nada”, afirmou Rose.
Desde que assumiu a cadeira no Senado, Rose tem mantido relação próxima com o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB), e se tornou a primeira mulher a presidir a CMO. Sobre a decisão de quem vai ser o relator do processo das contas do governo Dilma no colegiado, a senadora garante que a tarefa não será entregue para petistas ou tucanos, nem para parlamentares que já adotaram posições radicais sobre o governo federal.
Quando a senhora vai definir quem será o relator do processo das contas da presidente Dilma Rousseff na comissão mista?
Assim que o parecer chegar à comissão. Ele chegou hoje (sexta) ao Congresso e deve ser enviado para a comissão na próxima semana. Mas ainda não chegou.
Qual critério vai adotar para escolher o relator?
Ainda não me debrucei sobre isso. Na comissão, temos muitos parlamentares que são relatores setoriais, alguns ligados a temas como saúde e educação. Não acho interessante que o relator acumule temas difíceis. Por isso essa escolha deverá obedecer a vários critérios. Um deles, que já defini, é que o relator não deve ser uma pessoa que já tenha adotado posições públicas radicais em relação ao governo Dilma. Não dá para escolher alguém que já afirmou que quer tirar a Dilma de qualquer jeito, como também não dá para escolher alguém que declarou que ela não pode sair de forma alguma. Se coloco na mão do PSDB, que é radicalmente contra a presidente, vão dizer que eu quis que ela fosse cassada. Se entrego para o PT, a mesma crítica será feita, só que pelos oposicionistas, de que sou favorável ao governo. Não tenho como escolher alguém de posição neutra, porque a neutralidade política não existe. Mas alguém que possa discutir com os dois lados, sem ser carimbado por posições radicais.
A comissão reúne 17 partidos, sendo que a maioria deles permanece dividida sobre a questão do impeachment. Como pretende discutir o parecer da TCU de forma técnica? É possível um acordo sobre as recomendações do tribunal?
Ali não terá acordo. A maioria dos partidos já tem seu lado nesse tema. Posso te garantir que será uma decisão voto a voto. Dificilmente se produzirá um consenso entre os integrantes. Já conhecemos a posição do PSDB, que não vai mudar em relação ao parecer do TCU. Na comissão, temos a representação de quase todos os partidos. Temos o PMDB, que está dividido em alas, até mesmo o PT tem algumas subdivisões. Poucos partidos hoje têm posições únicas e consolidadas. Por isso, o mais sensato é que cada parlamentar preste atenção no debate sobre os itens do relatório. Já tivemos épocas que contas aprovadas pelo TCU foram rejeitadas pelo Congresso. As contas do Collor, por exemplo, foram criticadas na comissão de forma unânime. E tivemos contas aprovadas com ressalvas. A discussão vai exigir um corpo técnico da comissão e uma atenção para pontos específicos. Vamos tentar cumprir esse papel.
A senhora fala em um PMDB dividido em alas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse que é oposição ao Palácio do Planalto, mas alguns setores permanecem na base aliada. Qual sua posição dentro do partido? Defende que o partido se afaste do governo?
No partido temos parlamentares a favor e contra o governo dependendo do assunto. Não tenho uma posição dentro do PMDB. Não tenho uma ala. O partido se coloca de forma diferente de acordo com o entendimento sobre cada tema e isso cria divisões, mas nada anormal no jogo político. Passei por isso na Constituinte, quando integrei um grupo que brigava pela reforma agrária e dentro do partido houve muitas posições conflitantes. Foram embates e mais embates sobre praticamente todos os temas. Quando íamos discutir se o estado deveria ter uma posição estatizante ou privatizadora os embates internos eram enormes e a busca pelo consenso levava tempo e muitas conversas.
Como acha que a baixa popularidade da presidente e a pressão de vários grupos pelo impeachment podem influenciar a discussão no Congresso?
A síntese do país está dentro do Congresso. A cada momento de nossa história a sociedade reage de uma maneira. Na época do Collor, a pressão das ruas encontrou apoio no Parlamento. Foi uma insatisfação que uniu Congresso e povo. Hoje, uma ala quer a permanência de Dilma e outra quer o impeachment. Não tem uma posição única da rua e do Parlamento. O país e o Congresso vão entrar nessa discussão divididos. Mas, ainda nesse clima, será preciso tomar decisões. Vamos nos debruçar sobre o processo com calma para fazer um debate aprofundado. E depois, no plenário, o debate também vai ser duro. A posição da comissão, seja pela rejeição ou aprovação, vai ser levada ao plenário e lá teremos novos embates.
A senhora é mineira, de Caratinga. Por que deixou o estado e foi para o Espírito Santo?
Eu saí de Minas por razões políticas. Foi no período da ditadura. Em Belo Horizonte, nós militávamos em movimentos que eram perseguidos pela polícia na década de 1970. A polícia de Minas era muito dura. No Espírito Santo, me envolvi de novo com a política e construí minha carreira parlamentar. Todos nós que pertencíamos a movimentos militantes naquela época nos abrigamos sob a égide do MDB. Eram vários movimentos que militavam na marginalidade e encontraram espaço no MDB.
Em quais organizações militou em Minas Gerais?
Eu prefiro não citar as organizações. Militei de forma geral contra o regime militar.
Mas como foi essa militância em Minas antes de ir para o Espírito Santo?
Minas Gerais era um estado muito visado pelo grande número de movimentos militantes naquele período. E muitas pessoas que participaram daqueles grupos seguiram no meio político. Me lembro que o atual prefeito de Belo Horizonte (Marcio Lacerda) era um dos militantes contrários à ditadura. Minas sempre teve um cenário político muito ativo, uma participação ativa na política nacional.