Quem bate em adversário nas eleições perde? A crença muito defendida na década passada pelo publicitário Duda Mendonça – de que os ataques eleitorais ao concorrente provocam um “efeito bumerangue” e aumentam a rejeição de quem adotou essa estratégia – não necessariamente se confirma quando testada cientificamente. Estudo inédito sobre os efeitos na decisão de voto produzidos por spots negativos (inserções veiculadas na TV pelas campanhas eleitorais) indica que eles têm potencial para persuadir eleitores a não escolher o candidato adversário, sem que, por isso, aquele que ataca perca votos.
O potencial eleitoral dos spots negativos é maior em eleições polarizadas ou no segundo turno. “Em uma disputa polarizada, quando um candidato perde o voto, o outro ganha. E quanto mais acirrada, mais intensos são os ataques. Em nosso trabalho, demonstramos que os spots negativos foram eficientes em tirar votos do adversário”, afirma Jairo Pimentel.
O estudo trabalhou com eleitores de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), durante as eleições presidenciais de 2010. Entre agosto e outubro daquele ano, durante oito rodadas de pesquisa, 1.780 eleitores de cinco capitais brasileiras – Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo, Recife e Rio de Janeiro – foram recrutados mantendo sob controle variáveis sociodemográficas e políticas (intenção de voto). Eles assistiram em laboratório a 20 spots das duas campanhas políticas. Denominado “inteligência afetiva”, o modelo de análise empregado por Jairo Pimentel considerou duas dimensões – o entusiasmo e a ansiedade – para abarcar os sentimentos que influenciam o comportamento humano.
“O tipo de inserção eleitoral e o seu apelo emocional desencadeiam sentimentos relevantes para explicar a vontade de votar nos candidatos”, diz Jairo Pimentel. Os resultados da pesquisa de campo demonstraram que, quando uma inserção positiva de José Serra era exibida, 28% dos eleitores mostravam entusiasmo e mais engajamento. Quando o tucano exibia um spot negativo (atacando a petista), a vontade de votar em Serra não se alterava significativamente, mas em 29% dos eleitores diminuía o desejo de apoiar Dilma. “Os spots negativos exibidos por Serra não fizeram com que eleitores tivessem maior motivação para votar nele. Mas observou-se que essas inserções produziram maior efeito reduzindo a vontade dos eleitores de votarem em Dilma. Esses spots cumprem, portanto, a função de diminuir o ímpeto de eleitores de seguir o curso da ação e de apoio para determinada candidatura”, avalia.
De um lado, a análise é intuitiva: os spots com mensagens positivas dos candidatos tendem a despertar mais entusiasmo e engajamento no eleitor do que o sentimento de ansiedade, que o incomoda e o empurra para maior reflexão e a busca de mais informações para comparar os candidatos. “Mas os dados da pesquisa revelaram que a ansiedade produzida a partir dos spots negativos não só levaram ao aumento da rejeição eleitoral do candidato atacado como também ao aumento do potencial de crescimento do candidato que atacou”, afirma o pesquisador. Nesse sentido, Jairo Pimentel salienta que os spots negativos têm a propriedade de persuadir certos eleitores a não votar no candidato atacado sem afetar as predisposições daqueles que pretendiam votar no candidato que atacou antes da veiculação das inserções de campanha. Sem produzir o “efeito bumerangue”, a propaganda negativa despertou a ansiedade dos eleitores e, a reboque dela, a busca por novas informações e a comparação entre os candidatos e, em alguns casos, levou à mudança do voto.
Entenda como foi feita a pesquisa
Foram selecionados 10 spots de cada candidato nas eleições presidenciais de 2010 (Dilma Rousseff e José Serra)
Em pontos de grande fluxo de cinco capitais – Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife – foram entrevistados 1.780 eleitores, em oito rodadas. Depois de responder às questões sociodemográficas e atitudinais, os entrevistados eram levados a uma sala onde assistiam ao spot de um dos candidatos. Em seguida, respondiam a algumas questões para avaliar os efeitos das mensagens. Na sequência assistiam ao spot do candidato adversário, e respondia novamente às questões em relação a esse spot.
O que são spots
Spots de campanha são inserções publicitárias curtas – de 30 a 60 segundos – que em seu conjunto somam diariamente 30 minutos e são incluídas ao longo da programação das emissoras em período determinado que antecede as eleições. Até o ano passado, a propaganda política era exibida durante 45 dias antes do pleito – período agora reduzido para 35 dias, segundo a minirreforma eleitoral (Lei 13.165/2015) sancionada e em vigor. O recurso publicitário, comum nos Estados Unidos desde a década de 70, foi introduzido no Brasil nas eleições municipais de 1996. Ao contrário do que ocorre com a exibição do horário eleitoral, em que é reservado um horário fixo para a exibição em bloco dos programas dos candidatos, nas inserções o eleitor nem sempre tem tempo de desligar a televisão. Isso porque esses spots são curtos e estão distribuídos no meio da programação das emissoras.
Um caso clássico em BH
Em diversas eleições, os spots negativos têm desempenhado um papel importante naquilo que o marketing político convencionou chamar de “desconstrução” da imagem do candidato. Em geral, a campanha negativa é destinada às inserções, deixando o horário eleitoral para que o candidato apresente as suas propostas e rebata, com elegância, os questionamentos de seus adversários.
A eleição de 2008 para a Prefeitura de Belo Horizonte, em que Marcio Lacerda (PSB) e Leonardo Quintão (PMDB) se enfrentaram no segundo turno, tornou-se um caso clássico. Ainda desconhecido do eleitorado, Marcio Lacerda tinha a grande vantagem de reunir em torno de si o apoio do então governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito Fernando Pimentel (PT), numa aliança que, à época, chamou a atenção do país por embolar tucanos e petistas – adversários que há 20 anos polarizam a disputa nacional – num só palanque.
Após o início da propaganda eleitoral, Lacerda, que dispunha do maior naco do tempo de exposição, deu um grande salto nas intenções de voto: cresceu rapidamente em poucos dias. Na semana que antecedia o pleito, havia divergência entre as pesquisas. Alguns institutos afirmavam que a eleição se encerraria com a vitória de Lacerda no primeiro turno. Outros consideravam que haveria segundo turno. Quando foram abertas as urnas, a surpresa: o peemedebista não apenas cresceu com um discurso “paz e amor” de um candidato meigo e simpático, alcançando 41,26% dos votos válidos, como literalmente “encostou” no socialista, que obtivera 43,59% das preferências. No embalo desses resultados, as pesquisas realizadas na primeira semana após o primeiro turno, a maioria delas não divulgada, indicavam que Quintão havia ultrapassado o socialista.
A estratégia adotada pela campanha de Lacerda foi lançar uma “série” de peças internamente denominada “Leonardo x Leonardo”. A mais avassaladora, que de fato interrompeu o crescimento de Quintão, foi ao ar em 15 de outubro. Eram imagens do próprio candidato, gravadas meses antes pelo circuito interno da Câmara Municipal de Ipatinga, durante convenção do PMDB. Em campanha naquela cidade para o pai, Sebastião Quintão (PMDB), Leonardo Quintão estava exaltado e com o microfone convocava os presentes para repetir com ele: “Nós vamos ganhar e chutar a bunda deles”. Essa passagem foi levada ao ar nas inserções destinadas ao socialista. Ao mesmo tempo em que o spot da campanha de Marcio Lacerda não contextualizava as imagens, o locutor em off, perguntava: “É isso que a gente quer para Belo Horizonte?”. Quintão encerrou a campanha com 40,88% dos votos válidos contra 59,12% de Lacerda.
Fatos como esse são da natureza da disputa política. “Para o ano que vem, será mais fácil para as candidaturas de oposição fazerem campanha negativa, pois o cenário é difícil para quem está no poder”, analisa o cientista político Jairo Pimentel. Para se defender, os prefeitos vão procurar lançar a culpa pela falta de investimentos sobre o colo da crise econômica e do governo federal. “Por isso a temática nacional da crise vai entrar pesada nas campanhas. ‘A culpa não é nossa’ será a linha principal de defesa”, acrescenta ele.