Marta Teresa Suplicy, 70 anos, está cada vez mais confortável. É o que ela diz, mas também é o que deixa evidente em cada gesto. Afinal, a senadora agora pode criticar mais diretamente o governo Dilma Rousseff, sem as amarras da filiação ao PT — deixado de lado no fim de abril — e, há duas semanas, oficialmente nas fileiras do PMDB, do vice-presidente Michel Temer.
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PMDB abre palanque contra o governo em filiação de Marta Marta diz que vantagem de Temer sobre Dilma é que "ele conversa"Marta se aproxima do PCdoB por apoio em 2016Marta diz que é a candidata do PMDB à Prefeitura de São PauloEduardo Suplicy é hostilizado por manifestantes em SPOposição se reúne nesta segunda em Brasília para definir estratégia do impeachmentDilma reúne ministros e líderes do PT para reagir sobre pedido de impeachmentDeputados acreditam que Cunha irá aceitar pedido de impeachment de DilmaDe forma clara, disse que vai disputar o posto de candidata peemedebista à prefeitura de São Paulo e criticou o petista Fernando Haddad. Mais discreta e cuidadosa, falou sobre as denúncias envolvendo peemedebistas, incluindo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e sugeriu indiretamente a renúncia de Dilma, reforçando qualidades do vice Michel Temer.
Segundo Marta, a presidente boicotou o trabalho de Temer. “Ele se viu compelido até a sair, e ela foi negociar com o PMDB jovem”, disse, ao lembrar as derrotas do Planalto na última semana. “Tinha orgulho de pertencer ao PT. Foi uma decepção.
A senhora está confortável no PMDB?
Sim, muito confortável, acolhida e com espaço. Posso dizer que estou bem.
Qual a principal diferença entre o PT e o PMDB?
O PMDB é um partido com tantos caciques que não existe um cacique que mande e que enquadre as pessoas. É interessante viver essa experiência em um partido onde quem manda é a política e a conversa. Isso faz diferença.
Quem é o cacique do PT?
O PT tem o Lula, que é símbolo maior do partido, é a pessoa que dá a última palavra. Não existe isso no PMDB. Nunca tinha me debruçado para ver como funcionava. E perceber isso foi perceber uma enorme diferença.
Estas conversas do PMDB não estão mais para conchavos?
Até onde participei, são conversas políticas.
Mas há diferença? O PT tem dois ex-tesoureiros que foram presos, enquanto o PMDB tem uma série de políticos investigados. Com uma série de suspeitas.
Aí existe uma diferença entre os dois. Primeiro, que não tem partido de relevância que não tenha pessoas investigadas. A diferença é que no PT existe uma manutenção da estrutura partidária com recursos públicos. E no PMDB não vejo isso, vejo pessoas sendo investigadas, que eventualmente podem se tornar rés, ir para a cadeia. Até agora, não aconteceu isso nesse nível, não é? Mas poderá acontecer. E no PT vemos condenações, pessoas presas, mas principalmente (no PMDB) não há uma transferência de recursos públicos na veia partidária, no sentido sistêmico.
No PT seria mais orgânico?
Mais, não. O PT é.
Quando começou a se incomodar com a corrupção no PT?
Não queria falar tanto do PT, mas tinha muito orgulho de pertencer ao partido. As pessoas falavam assim: “Essa pessoa é do PT”. Falava: “Que bom, ali não vai ter trambique”.
Então foi uma decepção?
Total. Vocês não sabem como era. Era tão ingênua, que, quando penso, fico até constrangida. E mesmo na época do mensalão foi uma coisa chocante. Para quem não estava naquela panelinha, foi uma coisa chocante. Quando você vê o petrolão, então, esquece.
Por que não saiu no mensalão?
Porque acreditava que poderia não ser algo naquela dimensão. Mas depois ficou evidente.
A senhora foi prefeita de São Paulo.
Não fazia parte disso, entende? Isso nunca chegou perto de mim. A gente era virgem, entende? Existiu esse PT.
Um dos principais delatores do petrolão é o Fernando Baiano, que, segundo as investigações, é o lobista do PMDB no esquema. Quando fala que não existe corrupção no PMDB na Petrobras, o Baiano está aí para negar isso.
Não sei. Não tenho ideia de quem seja esse Fernando Baiano, não o conheço. Sei o que está nos jornais, mas nunca li nos jornais que essa pessoa financiasse a estrutura partidária do PMDB. No meu conhecimento, existe essa diferença. Agora, não acho que seja o caso de ficar dizendo quem é o pior ou quem é o melhor. A política brasileira está muito contaminada.
O Gabriel Chalita é secretário de Haddad. Existe uma tentativa de uma aliança entre o PT e o PMDB?
Não é que existe. Hoje, o PMDB e o PT estão juntos, é uma realidade.
Sobre a candidatura?
Falei que tinha interesse, mas a gente não entra num partido falando “sou a candidata”. Entrei para somar, não para dividir. Se o Chalita sair do governo em algum momento, se ele se colocar como candidato, provavelmente poderemos ter outras pessoas que se interessem, vai ter uma prévia. Vou disputar. Não tenho problemas com isso.
E em relação a outras candidaturas, o Márcio França (PSB) transferiu domicílio eleitoral para a capital e pode sair candidato pelo grupo de Alckmin. Como sua candidatura poderia se inserir?
Primeiro, tive conversas com o PMDB. Aí, fomos todos surpreendidos por esse movimento do Lula, de fazer esse acordo com o Haddad. E o Chalita, que estava fora da política, entrou nesse acordo. Aí, levei um susto. Disse: “Bom, fecharam-se as portas”. Aí, veio um convite do PSB para ser a candidata deles. Para ser candidata, tinha de arrumar um partido, mas o que havia tinha as portas fechadas. A aliança não convinha mais. Estava acabando de romper com aquele partido e como é que ia ficar naquela aliança nacional e municipal? Como dizia, veio o convite do PSB. E comecei as conversas. Gostei muito do Carlos Siqueira, que tem visão aberta. Conheci os pernambucanos. Mas não conhecia o Márcio França. Tivemos uma conversa simpática e tal. Mas aí, comecei a achar que tinha uma coisa meio estranha, complicada, porque ele tinha a ideia de ser candidato a governador. E percebi que tinha um arranjo com o PSDB para a prefeitura. Pensei: “Se entrar nesse partido, vai ser uma confusão”. Já sabia um pouco sobre ele, por parte da Marina e da Erundina. Depois, vi que o Temer fez um discurso dizendo que o PT e o PMDB não iriam mais caminhar juntos. Falei: “Bom, se não vai mais caminhar com o PT, é pra lá que tenho que ir, sendo candidata ou não”. É o meu lugar, onde quero ajudar a construir um projeto de um novo Brasil.
Esse projeto atraiu a senhora?
Sim. Fui para construir um novo Brasil, porque do jeito que está e para onde caminha esse governo sem rumo não dava para ficar.
Atribuiu-se à senhora a liderança do movimento “Volta Lula”, inclusive azedando a relação com Dilma. O que é fato e o que é versão?
No fim de 2013, era ministra e percebi que a situação estava indo muito mal, principalmente a situação econômica, as trapalhadas. Comecei a achar que teria que ter algo diferente, talvez a Dilma fosse ouvir mais o Lula ou se aproximar mais. Poderia ter uma mudança de rumo e de governo, e até de candidato. Comecei a conversar com Lula e perguntei o que ele sentia, o que estava pensando. Foi quando ele disse que ela era muito difícil, que não escutava, que o Brasil estava indo para o mau caminho.
Ele falava abertamente?
Abertamente para mim, mas também para outras pessoas que o procurassem, não era segredo. E aquilo começou a vazar. Eu continuei a ter essas conversas. Um dia, em janeiro de 2014, falei com ele: “Presidente, a situação está muito ruim e a gente tem que ter atitude”. Aí ele falou: “Realmente, está ruim, os empresários estão se desgarrando, está uma situação difícil. E ela continua sem dar a menor trela”. Aí, falei: “Se você quiser, organizo um jantar com o PIB paulista, o PIB brasileiro, em casa, absolutamente discreto, sem imprensa”. E foi discreto mesmo. O Lula nunca falou na minha frente que era candidato. Agora, ele batia nela e dizia que a política estava errada. E os empresários falavam e ele dizia: “É isso mesmo”. Quando acabava, ele falava mal do Mercadante e todo mundo saía e dizia: “Que bom, ele vai ser candidato”.
Era explícito isso?
Sim, ficavam todos achando que ele era o candidato, parecia uma campanha. Ficava óbvio. Mas, aí, teve um episódio, durante a convenção: a história que todos levantaram os crachás (em maio de 2014). Todo mundo esperava que ele conversasse com ela. A conversa aconteceria três horas antes da convenção. Achava que naquele momento iria se resolver. Mas aí o vi entrar, parecia que ele tinha levado uma surra. E ela entrou saltitando.
Ela de fato entrou saltitando...
Ela saltitando. E aí foi pior, porque o Rui (Falcão, presidente do PT) foi fazer um discurso e pediu para as pessoas levantarem os crachás pela reeleição dela. Todos levantaram. Não sei o que eles (Lula e Dilma) conversaram. Um dia, ele me chamou no Instituto Lula e falou que não seria candidato: “Agora vamos nos unir, vamos eleger Dilma”. Disse que seria um erro crasso, que o país iria se transformar numa Argentina. Aí, ele levantou e disse: “Marta, estamos juntos. Você venha participar, vamos reelegê-la e vai ser um bom governo”. Eu disse: “Estou fora, vou buscar meu caminho”. Nunca mais falei com ele.
Teve conversa mais ríspida com Dilma? Algum desentendimento?
Não, não. Acho que quando Mercadante se aproximou dela houve um afastamento, uma dificuldade na Casa Civil. O projeto de direitos autorais dormiu mais de um ano na gaveta. Mas isso poderia ser palatável se o governo mudasse. Isso não aconteceu. Quando Lula não quis ser candidato, vi que não daria certo. Não faria parte daquilo. Mas nunca tive algo pessoal com ela.
Ficou frustrada quando Lula escolheu Dilma para ser a candidata?
Vocês não me conhecem. Cheguei a brigar com o Sarney para chamá-la de presidenta. Percebi que Lula estava mais à vontade com ela. Afinal, Dilma estava há oito anos no Planalto, ao lado dele. Ninguém sabia que seria assim.
E qual é a frustração da senhora com Dilma, com o governo dela?
Aí, mistura tudo, porque não consigo separar a confusão toda, os desvios de recursos, a má gestão, a história do Conselho da Petrobras, as intervenções que levaram a gente a esta situação de crise tão séria, de desestruturação da economia. E um pouco também por ter sido a primeira mulher, de ter tido essa chance tão especial. Espero que a gestão dela não seja misturada com questão de gênero.
A senhora é citada como possível candidata do PMDB ao Planalto.
Não ouvi isso. Estou focada em tentar ser candidata a prefeita.
Quando fala da corrupção sistêmica, consegue separar a gestão Lula da gestão Dilma?
Não tenho esse conhecimento do que eles faziam.
O Lula é uma pessoa honesta?
Não vou entrar nessa seara. Não sei. Vocês não entenderam, não era todo mundo que participava disso. Nunca fui desse grupo.
A gestão de Haddad é legado ou ruptura em relação à da senhora?
É uma ruptura, uma decepção, por vários motivos. Ele foi eleito pela periferia pobre de São Paulo e fez pouquíssimo pela periferia pobre de São Paulo.
A senhora tinha expectativa de que ele resgatasse a sua gestão?
Não a minha gestão. Tinha esperanças de que ele resgatasse uma forma de governar mais saudável, que tinha dado certo no nosso governo, no qual ele teve uma pequena participação, como chefe de gabinete na Secretaria de Finanças. Ele sabia que tinha dado certo. Mas não me chamou para tomar um café e discutir qualquer coisa que fosse fazer. Uma falta de vontade de administrar que, às vezes, até penso que ele não gosta da cidade, de tão atabalhoada que é a forma de governar.
Como é a sua relação com Eduardo Cunha?
Conheço-o muito pouco. Fui um dia ao gabinete dele com as senadoras, falar sobre a questão das mulheres (a quota de vagas) e ele disse que era contra. Depois, fui convidá-lo para o lançamento da campanha Mulheres na Política, na Fiesp. Para nossa surpresa, ele foi. Fez um discurso razoável, se comprometeu a pôr para votar e cumpriu. E, depois, quando fui me filiar, fui especificamente para convidá-lo para a filiação, como presidente da Câmara.
As ideias conservadoras dele não batem com o que a senhora defende, as bandeiras LGBT...
Nada. Não batem nada, ao contrário. Por isso, achei que cabia no PMDB: vai de Cunha a gente mais de vanguarda. É o partido onde sinto que caibo.
Cunha tem uma denúncia grave contra ele.
Tem, como tem em qualquer partido de relevância. Tem contra o PSDB. Acho que só o PSol não deve ter, né? Não sei. Mas partido grande, me diga um que não tenha. Tem no PSB, com o Bezerra, né? Todos têm, não passa por aí. A contaminação é grande na política brasileira. O que importa é nós termos uma união diferente do que está acontecendo. Nunca vivemos um clima tão sério.
Que tipo de união?
Temos que ter uma união baseada numa saída para a crise que o Brasil vive hoje, desencadeada pelo governo dela e que assumiu uma proporção gravíssima, política. Depois de eleita, ela não reconheceu que tinha levado o país a essa situação e que medidas ali seriam necessárias. Ela não tomou as medidas. Pelo discurso de posse, parecia que ela estava morando em outro país. Era um discurso que não tocava a realidade. Aquilo foi agravando a situação, o problema econômico já antevisto. A desestrutura já estava feita. Mas a situação em que estamos hoje não estava imposta. Foi acelerada pelo processo de negação. Hoje, vivemos uma crise que é política, econômica, ética. A crise econômica hoje talvez seja a preponderante, porque as ruas estão quietas, mas começou a chegar às classes C e D. Assim como fomos surpreendidos por um milhão de pessoas há um tempo atrás (2013), acredito que no ano que vem a crise estará mais séria ainda, porque ela (Dilma) perde oportunidades de se colocar como uma líder e fazer uma proposta decente de união nacional, porque ela não apresenta um projeto de nação. Nas últimas semanas, ela ficou reduzida a um projeto de permanência no poder.
A senhora se refere à ministerial?
É, o que ela fez agora na Câmara foi isso.
E não adiantou tanto.
E até foi mais rápido do que imaginava, porque se você não pensa o país com grandeza, não tem como dar certo. Converso bastante com as pessoas em vários lugares. Todas as classes sociais hoje sabem o que é a Lava-Jato. Sabem o que é este toma lá dá cá. E não se tolera mais esse tipo de comportamento. Isso é o que a maioria dos políticos não compreendeu ainda. Hoje, quem tiver comportamento visando o interesse pessoal rasteiro, apequenado, não tem mais como ser aceito pela sociedade brasileira, não tem mais como ser aceito um comportamento assim. As pessoas não querem mais isso, não aceitam mais isso. E ela não entendeu isso. O que percebo é que há um tal desespero, que qualquer coisa é válida para se manter no poder.
O que pode acontecer? Já houve a reforma ministerial.
Não é só a reforma ministerial. Normalmente, o que os governos fazem com as crises? Eles tentam acolher a crise e sair algo muito leve. Lá é o contrário: criam a crise. Houve a questão da reforma ministerial e agora houve essa intervenção truculenta no TCU. Qualquer pessoa poderia imaginar que aquele tipo de truculência levaria o espírito de corpo a rejeitar as contas. Se eles queriam criar alguma confusão no meio da sociedade,ou justificar o voto de algum deputado que pudesse dizer que não votaria por um impeachment, porque foi algo produzido, conseguiram o oposto. É muita operação tabajara junta. É muita incompetência. E aí, quando ela faz a reforma ministerial, se cerca não das mesmas pessoas, tem ali alguns perfis diferentes, mas do PT de novo. É incompreensível. Ela não percebe que não tem como dar certo isso.
Mas, desta vez, foi o PT do Lula.
Você não entendeu. Se há um governo de coalizão, tem que ter à mesa, pelo menos, dois partidos.
Ela não deixou Michel Temer trabalhar?
Não é deixar o Michel trabalhar, é boicotar o trabalho dele. E, depois que o trabalho foi boicotado e ele se viu compelido até a sair, ela foi negociar com o PMDB jovem, que foi o que falei para o Picciani na minha filiação, “ouça os mais velhos”.
Se vier um processo de impeachment, votará a favor?
É algo bastante sério. Nunca tivemos uma situação tão difícil para um presidente, porque tem o TSE, o TCU, tem a sociedade indignada, 8% ou 10% de popularidade. É uma situação extremamente difícil. Dadas as condições legais, dificilmente o Congresso não acompanha essas condições de impeachment. Aí é além dela. É pelo Brasil, pela possibilidade de a crise não durar mais três anos e pela possibilidade de uma união nacional que consiga ter uma liderança com credibilidade, porque isso ela não tem.
Enxerga essa liderança?
Não, mas vai aparecer. Acho que agora não está visível. Tendo a possibilidade do vice, acho que é uma pessoa que teria essa liderança no sentido da credibilidade. Ele conseguiria fazer, pela sua habilidade, uma união nacional para a construção de um projeto de saída da crise e de desenvolvimento nacional para entregar este país em 2018 para uma eleição livre, e que a gente possa passar essa turbulência e tomar as medidas que vão ser necessariamente difíceis, isso é um problema. Agora, tomar as medidas do jeito que ela tentou fazer, era como falei, Tabajara. Estava na cara, não tinha como dar certo. Inábil, inábil. Tudo é inábil, isso que é difícil. Falta de habilidade, falta de competência, falta de escutar, talvez insegurança, não sei. Aquele mote que o Skaf fez é aquilo mesmo, quem vai pagar o pato é o brasileiro.
A senhora então se inclui nesse Congresso que aprovará o impeachment?
Sim, se tiver todas as condições, né? Porque acho que é uma decisão que nenhum senador tomará facilmente.
A gente vê muito senador petista insatisfeito, outros vão sair do PT?
O PT tende a perder mais senadores e a eleger menos senadores.
Qual o tamanho do PT hoje?
O partido encolheu enormemente, está muito contaminado e vai levar muito tempo para ocorrer uma recuperação, se conseguir ocorrer. Acho muito difícil.
E o PMDB? Que discurso diferente tem a oferecer, uma vez que está com os dois pés no governo?
O PMDB, na sua história, sempre foi um partido que pensou o país e defendeu a democracia. Essa é a grandeza do PMDB como marca. E, dentro desse quadro, que é o DNA dele, acredito que o PMDB tem condições de desenvolver um projeto. Tem quadros e tem a política adequada de conversa e de agregar. E o PT não tem. Então, ou isso muda dentro do PT ou ele não vai conseguir se recuperar.
Nas votações polêmicas, como as relacionadas à mulher, a ala conservadora do PMDB vai ajudar?
Ainda não conheço bem. O que conheço é a posição do Cunha e dos evangélicos, que não são PMDB. Ele não está sozinho nisso, há uma onda conservadora e gostaria que fosse uma onda, porque, onda flui, né? Mas há no mundo todo esse comportamento. E no Brasil, a expressão máxima, pela sua visibilidade e pelo cargo que ocupa, é o Cunha. Mas a gente não pode confundir as posições dele com as posições do PMDB. E essa força que ele tem nesse conservadorismo não vem do PMDB. Vem desta junção de posições mais conservadoras que o apoiam no quesito comportamento, e não o apoiam de outro jeito. Na corrupção, não posso nem falar, porque ainda não foi julgado. Mas, nessa questão, talvez religiosa-ideológica, ele conseguiu um apoio fechado.
Regredimos nestes temas?
Muito. Aqui no Senado, inclusive, onde não tem Cunha, regredimos. Na questão da homofobia. Fui para o ministério e a questão da homofobia acabou integrada no Código Penal. Quando voltei, falei com Pedro Taques e perguntei o que havia acontecido. Ele respondeu, “ah, não passava”. Falei com o Vital do Rêgo, que virou relator na CCJ. O relatório dele estava igualzinho ao do Pedro Taques. Fiz oito emendas colocando tudo de novo. Vários senadores fizeram. Vital ia votar e percebeu que havia muita confusão. E ele estava para ser nomeado (para o TCU). Então, suspendeu tudo e está lá quietinho.
A que atribui essa onda conservadora?
A história caminha dessa forma. Tivemos momentos mais libertários até em séculos passados. A grande novidade é o papa. E isso é muito interessante. Não que ele vá mudar os dogmas, mas pode abrir um espaço para, daqui a algumas décadas, isso ocorrer. Pelo que percebo dele, é extremamente hábil.
O ministro Edinho Silva disse que há preconceito em relação à presidente. A senhora concorda?
Não creio, mas não saberia dizer. Sempre essa explicação é boa e fácil. Teria que ter uma pesquisa. Não acho que as pessoas dizem “ela é incompetente porque é mulher”. As pessoas votaram nela achando que era muito competente sendo mulher. Foi uma das coisas que melhorou no Brasil. As pessoas não têm mais esse preconceito.
Mulher tem que ser brava para governar? Dilma vive dizendo: “Os homens são meigos”.
Gosto dessa frase dela, foi uma boa tirada, mas acho que as pessoas têm que ter personalidade, não é querer ser desse jeito ou daquele. Não é isso que impõe, na verdade. O que impõe é as pessoas saberem que você sabe o que está fazendo. Aí, acho que a equipe te respeita.
Seu ingresso na política se deve a Eduardo Suplicy?
Por conta dele está o interesse, porque era mulher de político, fiz todas as campanhas dele. Ele foi uma pessoa importante para minha entrada na política. É um homem honesto, respeitado. Claro que foi um bônus, mas se não tivesse tido o trabalho de televisão não teria sido eleita, tanto é que o irmão dele não se elegeu. Sempre tive a minha identidade separada da dele, mas, naquele momento, ele foi uma pessoa importante.
A separação atrapalhou?
Sim, você já viu alguém ser eleita e declarar que vai se separar? Homem não faz isso, fica lá, tem até outra família, mas não se separa. Separei-me em fevereiro, depois que fui eleita. Foi um escândalo. Sempre falo: faço na frente e pago o preço.
Com derrotas no STF, no TCU e no TST, foi uma semana dificílima para o governo. O que pode acontecer?
É um momento de crise aguda, ela nunca se viu tão acuada.
E tem a questão do pedido de impeachment na Câmara.
Ela nunca se viu em situação igual. O jogo que ela tentou jogar, equivocadamente, deu errado. Nós temos uma situação de enorme impasse.
O cerco está se fechando?
Não, prefiro dizer o que falei mesmo: temos uma situação de enorme impasse, ela nunca viveu situação igual. Não vejo muitas possibilidades. Porque, inclusive, é um momento em que se tem que ter grandeza, que se tem que pensar no país. Não se pode mais pensar só em se manter no poder. Esgotaram-se as possibilidades. Agora, temos que pensar que o Brasil é maior e está sofrendo muito.
A senhora está sugerindo a renúncia?
Tive cuidado para não usar essa palavra. Não quero usar.
Mercadante falou em golpe, disse que as crises passam, mas os efeitos do golpismo, não.
É tudo uma tentativa, através de palavras, de justificar o que se delineia cada vez mais como o caminho que está tomando a situação. Então, tentam dizer que é golpismo, tentativa de nova eleição. Tentam conturbar o cenário para ver se confundem a população em relação à realidade do que está ocorrendo. Não se vê uma mudança que poderia ter ocorrido, um ministério de alto nível, com ilustres brasileiros, que fossem chamados não só para ficar nos ministérios, mas para pensar um projeto de reestruturação econômica do Brasil. Que a presidente pudesse ir para a televisão e dizer: nós não conseguimos acertar até agora, mas vamos fazer isso e aquilo, com começo, meio e fim, com clareza, que as pessoas pudessem ser partícipes, porque isso vai exigir sacrifícios, não temos nenhuma dúvida. Então, a sociedade tem que estar junto nisso. Não se pode chegar e tirar um saquinho de bondade e de maldade e achar que as pessoas vão participar. Não é assim, esse foi um engano desde o começo. Ser levada a entender o processo, a ouvir um mea-culpa, ouvir uma proposta e que queiram te escutar, ter uma mudança radical de quem está lá em cima decidindo, com uma coalizão de verdade. Os partidos todos estão maduros para dar as mãos e pensar o Brasil. Sem isso, você não vai pra frente. Ela (Dilma) não foi capaz disso.
E ainda há tempo?
Não tenho ideia, a política é muito imprevisível. Você podia achar que estava madura a situação três meses atrás, quando teve uma mudança radical. Ela não aproveitou várias deixas, como a do Renan (Calheiros, presidente do Senado), que veio com a Agenda Brasil. Ela podia ter aproveitado essa trilha aí, começar a pensar de outra forma. Mas nada é aproveitado. Mexe, faz acordos e mantém o círculo petista de cinco pessoas do lado. Na verdade, não teve mudança. Não consegue pensar grande, pensar o Brasil, pensar o novo. Não é mais uma questão de ajuste, é uma questão estrutural, porque nós chegamos a uma condição estrutural de desacerto. Isso só se faz com união nacional, não se faz com o pequeno, não se faz só com o PT. O PMDB é o partido que tem condição de fazer essa grande coalizão.
A TV Mulher mudou minha vida
Nasci em São Paulo, meu pai era industrial e minha mãe, dona de casa. Só fez faculdade aos 50 anos, estimulada pelos filhos. Eu nasci pra casar e ter filhos, provavelmente com o filho de algum companheiro de polo do meu pai. Ninguém tinha expectativa em relação a mim, mas minha mãe, de certa forma, tinha um pouco mais. Ela achava que a mulher tinha que ter independência, acho que, por causa da situação de submissão em relação ao meu pai. Fui a primeira da turma do Sion a ir pra faculdade. Casei-me muito jovem. Aos 20 anos, fui morar nos Estados Unidos. Já era meio rebelde e achava que estudar inglês era coisa muito capitalista, estudei francês e italiano. Fiz meu mestrado lá. Quando voltei, falava muito bem o inglês e tinha uma formação em sexologia e terapia de casal, tive a sorte de estar em Stanford , que era o centro onde isso começou. Também tinha uma formação em terapia comportamental, mas, quando vi que isso não tinha muito a ver com os problemas que estava lidando no consultório, procurei a psicanálise. Entrei na Sociedade de Psicanálise, onde fiz toda a minha formação e estou até hoje. Logo depois, fui convidada para fazer um programa sobre sexualidade na TV Globo. Já escrevia sobre esse tema para as revistas Cláudia e Vogue. A TV Mulher foi um programa que revolucionou a condição da mulher. Nele, aprendi muito sobre as diferenças do Brasil..