No jogo político, mesmo sem prestígio, quem tem poder tem muito. Em menos de 24 horas, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passou de alvo de tiroteio a peça estratégica para os planos da presidente Dilma Rousseff (PT) e da oposição. Com seu nome envolvido em corrupção, alvo de pedido de cassação de mandato e impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de usar manobra regimental na análise de processos de impeachment da presidente, Cunha está enfraquecido. Mas o deputado carioca continua homem forte no Congresso e ontem foi bajulado por políticos de todos os lados. Resta saber com quem Cunha, que disse estar aberto ao diálogo com o Planalto e com oposicionistas, vai compactuar na tentativa de salvar seu próprio mandato.
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Receita faz devassa em declaração de renda de Eduardo Cunha É difícil que Cunha mantenha seu mandato, diz Reale JrDesgastada e dividida, oposição tem pedido reserva de impeachmentDisputa política em Brasília 'parece briga de criança', afirma PaesCassação de Cunha deve ser julgada até o fim do ano pelo Conselho de ÉticaPor Dilma, Lula articula para salvar mandato de CunhaLogo cedo, a oposição tratou de procurar o peemedebista para lhe entregar ofício pedindo que ele apresente recursos contra as três liminares do Supremo Tribunal Federal (STF).
O peemedebista atendeu prontamente ao pedido da oposição e afirmou que recorrerá até sexta-feira. O documento é assinado pelos líderes do DEM, PPS, PSDB, PSOL e do bloco da minoria. “Ao mesmo tempo, vamos entrar como amicus curiae, amigos da causa, para que também possamos entrar com a nossa visão sobre a matéria no STF”, reforçou o líder do DEM na Câmara, o deputado Mendonça Filho (PE).
A aproximação se deve ao fato de, mesmo sem a capacidade de ditar as regras para eventual impeachment, Cunha ser figura-chave nesse processo. Ontem, ele voltou a afirmar que as liminares não o impedem de deferir ou indeferir pedidos de afastamento. “Tanto que ontem proferi decisão de rejeitar cinco pedidos”, afirmou. Por causa disso, deputados da oposição também evitam falar sobre a cassação de Cunha. “Já houve uma manifestação pública propondo o afastamento dele”, disse Mendonça Filho, desconversando.
Na terça-feira, PSOL e Rede entraram com pedido de investigação contra Cunha no Conselho de Ética. Do total de 50 deputados que assinam o requerimento, somente dois são dos partidos que pedem recurso das liminares sobre impeachment junto ao STF. Entre os petistas, foram 33 – pouco mais da metade da bancada, que tem 62 deputados – os que assinaram o pedido para cassar o mandato de Cunha.
A outra metade da bancada petista optou por não partir para o confronto. Pelo contrário. Ontem, o líder de governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), publicou artigo no site do PT em que comenta as liminares do STF. “O momento agora é de estender a bandeira da paz, ter muita cautela e intensificar o diálogo com a sociedade e com o Congresso Nacional”, escreveu. Cunha também preferiu adotar o discurso da paz e chegou até a elogiar o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, com quem está retomando suas relações com o Planalto.
O presidente da Câmara, que venceu a disputa pelo comando do Legislativo com o voto de 267 dos 513 deputados, também se reuniu com o vice-presidente Michel Temer. As conversas caminham em torno de uma negociação.
A situação do presidente da Câmara se complicou com a revelação de uma investigação do Ministério Público da Suíça, que mostrou que ele movimentou R$ 23,2 milhões em contas naquele país não declaradas à Receita Federal brasileira. Foram atribuídas a ele e à mulher, Cláudia Cordeiro Cruz, quatro contas bancárias. Em uma delas, foram bloqueados R$ 7,4 milhões em abril. Segundo as autoridades da Suíça, um negócio da Petrobras de US$ 34,5 milhões fechado em 2011 no Benin, África, teria servido para abastecer as quatro contas.
Depois das novas denúncias, até a oposição, que vinha ajudando a sustentar a gestão de Cunha, passou a defender a renúncia dele. Cunha entrou na lista de investigados na Operação Lava-Jato em julho, quando o delator Júlio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, disse em depoimento ao juiz Sérgio Moro que o presidente da Câmara pediu propina na negociação de um contrato de navios-sondas da Petrobras.
SEM VIDA FÁCIL
O processo que pede a cassação do mandato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por quebra de decoro parlamentar, apresentado pelo PSOL e pela Rede, será comandado por um desafeto do presidente da Câmara. A tramitação será conduzida pelo deputado José Carlos Araújo (PSD-BA), que em março deste ano derrotou por 13 votos a 8 o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), candidato de Cunha. “Não vamos apreciar uma representação contra o presidente, mas contra o deputado Eduardo Cunha. Aliás, aqui só há espaço para um presidente, que sou eu”, diz o deputado, que diz que o Conselho “não vai dar vida fácil” a Cunha. Sem um aliado de Cunha neste posto-chave, a expectativa é que o processo na Câmara tramite com celeridade no Conselho de Ética..