Quando decidiu gravar em fitas cassete seu dia a dia no poder, o presidente Fernando Henrique Cardoso, então com 63 anos, planejava que as "confissões" só fossem divulgadas depois de sua morte. Ao mudar de ideia e publicar em vida os registros da passagem pelo Palácio do Planalto, o tucano revela desabafos, queixas e satisfações, assim como se expõe a reações e desmentidos de quem foi citado. Não renega o que foi dito, e acaba por usar as comparações com o Brasil de hoje para apontar erros não só no governo petista, mas na oposição tucana. "Não acho que o PSDB deva fazer o que o PT fez comigo", diz o ex-presidente.
Leia Mais
Dinheiro no exterior pagou curso da enteada de CunhaChalita nega saída do PMDB para disputar Prefeitura SPTemer participa de convenção para reeleger Antônio Andrade como presidente do PMDB em MinasFHC diz que técnicos do TCU eram 'muito petistas' em sua gestãoFernando Henrique Cardoso volta a defender renúncia de presidente DilmaNão há uma forma única de se ler as mais de 900 páginas do primeiro volume, que traz a transcrição de 44 fitas e quase 90 horas de gravações entre o Natal de 1994 e o fim de 1996. Pode-se ler o livro cronologicamente, ou buscar as citações a nomes ou temas. De um jeito ou outro, tem-se um presidente da República registrando como gostaria que seus feitos e intenções fossem lembrados.
Sem culpa
Ao ouvir as gravações para a edição do livro, com o distanciamento de quase duas décadas, FHC reconhece erros em suas avaliações de momento, assim como as dúvidas e dilemas antes da tomada de decisões. "Posso ter errado, e certamente errei na apreciação de pessoas, fui injusto e tudo o mais. Mas é aquilo", afirmou o tucano. "(Nas gravações) Eu mudo de opinião, fico na dúvida. O ser humano é complexo."
Parte dos desabafos e relatos já renderam queixas dos citados, como o atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo nome FHC diz ter recebido do então deputado Francisco Dornelles (hoje no PP-RJ) como indicação para uma diretoria na Petrobrás.
"Naquela altura eu mal sabia quem era Cunha. Eu só tinha registro do que tinha acontecido no governo Itamar (Franco), que ele perdeu o lugar dele lá (a presidência da Telerj, antiga estatal de telecomunicações)", explica o ex-presidente. "Não sei se foi o Dornelles quem pediu.
Assim também podem ser vistas as queixas do então presidente às intrigas entre os auxiliares mais próximos e à defesa de seu governo pelo PSDB. FHC reconhece o papel de deputados e líderes da época, como José Aníbal, Arnaldo Madeira e Aécio Neves, mas aponta como problema a não ser repetido pelo partido a "falta de convicção" dos tucanos nas votações.
"O que eu reclamava era o seguinte: eu sei que nós vamos ganhar. Vai estar lá, no painel (do plenário) que o governo ganhou. Mas eu dizia: vocês vão perder a eleição porque ninguém está lutando ideologicamente. O PT vai lá e diz que isso é traição nacional.
É o que se vê no PSDB de hoje, como oposição aguerrida à presidente Dilma Rousseff? Não exatamente, diz o tucano. "Em certas matérias a oposição precisa pensar no País. Não pode votar contra o fator previdenciário. Acho um erro do PSDB no Congresso", avalia Fernando Henrique. "A situação fiscal é dramática e alguma coisa precisa ser feita.
O Estado de S.Paulo.