Ainda sem conseguir apreciar e manter os vetos da presidente Dilma Rousseff (PT) à chamada pauta-bomba, o governo federal enfrenta, amanhã, um novo teste de fogo no Congresso Nacional, chacoalhado pelas graves denúncias contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Proposta de interesse do Planalto está pronta para ser votada em plenário numa Casa presidida pelo parlamentar, que acaba de ter as suas contas secretas na Suíça devassadas pelo Ministério Público. Trata-se do Projeto de Lei 2.960/2015, que integra o esforço do governo de ajuste fiscal e põe o dedo sobre ativos obtidos licitamente, mas não declarados, mantidos por brasileiros no exterior até 31 de dezembro de 2014 – ou já repatriados, embora ainda não informados à Receita Federal. Cunha vem avisando nos últimos tempos que os parlamentares dificilmente aprovarão a matéria.
O preço da “anistia” proposta àqueles que esconderam patrimônio no estrangeiro representaria, segundo estimativas iniciais do governo, alento superior a R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Mas esses valores não só são imprecisos – pela natureza da operação – como também poderão não ser alcançados dadas as mudanças introduzidas no texto original pelo relator Manoel Júnior (PMDB-PB) na comissão especial, aprovadas na quinta-feira passada, apesar dos esforços do ministro da Fazenda, Joaquim Levy para impedi-las.
As mudanças introduzidas no substitutivo reduziram o Imposto de Renda (IR) que os brasileiros deverão pagar, dos 17,5% inicialmente desejados pelo governo, para 15%. Igualmente, a multa, que a princípio seria de 17,5%, caiu para 15%. Dessa forma, baixou de 35% para 30% o volume total de cobrança. Por outro lado – e isso é positivo para a arrecadação – o projeto instituiu que a cotação do dólar para cálculo dessas cobranças será a do momento do pagamento dos impostos e não mais a cotação que estava fixada em 31 de dezembro do ano passado.
A alteração que mais incomodou ao governo foi a que mudou a destinação dos recursos arrecadados. A estratégia do Executivo era usar os recursos com o pagamento de impostos, a partir de 2017, para compor o fundo de compensação que será criado para os estados que vão perder arrecadação com a unificação do ICMS, projeto em negociação no Senado Federal. O que foi aprovado na comissão especial, porém, foi bem diferente: agora, os recursos serão direcionados para os estados e municípios, seguindo os parâmetros de repasses dos fundos de participação constitucionais. Essa alteração poderá atrasar a reforma do ICMS. Mas há quem considere que, se o projeto for aprovado assim no plenário da Câmara e, depois, no Senado, o governo poderá alterar a destinação desses recursos para o fundo da reforma do ICMS por meio de emenda constitucional.
Correndo contra o tempo para conter o déficit fiscal, outra mudança na proposta desagradou ao governo: foi ampliado de 180 para 210 dias o prazo para regularização dos recursos de brasileiros no exterior. Assim, fica reduzida a probabilidade de atrair recursos fiscais com o projeto ainda este ano. A expectativa era de que o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, que será criado com esse projeto de repatriação, pudesse render até R$ 11,4 bilhões.
META FISCAL Apesar das mudanças, diante do cenário de queda real na arrecadação federal, de 3,72% de janeiro a setembro em relação ao mesmo período do ano passado, para o governo, aprovar a matéria é fundamental. Ainda nesta semana é esperado o anúncio de uma nova meta fiscal para 2015, com déficit que poderá atingir R$ 50 bilhões. Foco de grande preocupação do Planalto, a retomada dos projetos vetados geraria um impacto nas contas de R$ 23,5 bilhões em 2016 e, até 2019, somariam R$ 127,5 bilhões, segundo o Ministério do Planejamento. Um dos temas que mais contribuem para o aumento dos gastos é o reajuste de até 78% aos servidores do Judiciário.
"Democracia adolescente"
A presidente Dilma Rousseff afirmou em entrevista à rede de TV americana CNN que as tentativas de abrir um processo de impeachment contra ela colocam em risco a democracia brasileira e afirmou que um dos principais legados de seu governo será a reforma da Previdência e o ajuste fiscal. A presidente lamentou que o conflito das eleições do ano passado tenha continuado com a mesma intensidade após sua vitória. “Temos que ter muito cuidado com isso porque ainda temos uma democracia, eu diria, adolescente”, afirmou Dilma na entrevista que foi ao ar ontem, mas foi gravada em 25 de setembro, durante a passagem da presidente por Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU. Na introdução à entrevista, o prestigiado apresentador Fareed Zakaria descreveu um cenário de “várias crises” no Brasil e lembrou o declínio na imagem internacional do país.
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