Brasília, 02 - Aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética poderão tentar nesta terça-feira, 3, ocupar a relatoria do processo por quebra de decoro parlamentar que pode culminar com a cassação do mandato do deputado. O peemedebista é acusado de ter mentido à CPI da Petrobras ao negar que tenha contas no exterior.
Posteriormente, elas foram reveladas pela Procuradoria-Geral da República, que aponta que elas foram abastecidas com recursos de propina do esquema de corrupção da Petrobras investigado na Operação Lava Jato. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA), decidiu adotar a formação atual de blocos partidários para a organização do sorteio que dará origem a uma lista de três nomes de onde será escolhido o relator do processo.
Pelo Código de Ética da Casa, não podem assumir a relatoria deputados do Estado, do partido e do bloco partidário do representado, no caso, Cunha. Ou seja, ficam de fora do sorteio parlamentares do Rio de Janeiro, do PMDB e do bloco do qual a legenda faz parte. Há algumas semanas, havia dúvida sobre qual bloco deveria ser levado em consideração, se aquele formado para a eleição do presidente da Câmara no início deste ano que inclui o PMDB e mais doze partidos, seis deles com assento no Conselho de Ética; ou o novo, composto apenas por PMDB e PEN.
"Vai valer o bloco atual. O inicial acabou, eles desmancharam. Se está valendo para as outras coisas da Câmara este bloco, para o Conselho de Ética também vale ele", disse nesta segunda-feira, 2, ao
Estadão
presidente do Conselho. A decisão abre espaço para que deputados aliados e integrantes de partidos próximos a Cunha participem do sorteio, ampliando as chances de um parlamentar pró-Cunha assumir a relatoria.
A decisão poupa da restrição nomes de PTB (1), PP (2), PSC (1), PRB (1), DEM (1) e Solidariedade (1). Este último, inclusive, trocará seu representante . Fiel aliado de Eduardo Cunha, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), vai operar hoje, mais uma vez, para proteger o presidente da Câmara.
Preencherá com um de seus quadros favoráveis a Cunha a vaga que ficará aberta com a renúncia do deputado Wladimir Costa (SD-PA) por "problemas de saúde". Até a tarde de ontem, havia três nomes sobre a mesa de Paulinho: o hoje suplente do conselho Genecias Noronha (CE), Fernando Francischini (PR) e Augusto Coutinho (PE). Pelas regras do Conselho de Ética, um de seus membros só pode ser substituído em caso de renúncia ou morte.
O sorteio será realizado na tarde desta segunda, mas o escolhido de José Carlos Araújo só deve ser anunciado amanhã. "Vou conversar com os três. Tenho que ver quem vou escolher e o que está pensando. Se eu vir que tem algum deles que não está disposto a apurar o fato, não vou escolher", disse o presidente do Conselho.
A escolha de um relator favorável é crucial para Cunha pois será ele quem apresentará o texto a ser votado pelo colegiado. Nos bastidores, o mapeamento da posição de cada conselheiro apresenta um cenário dividido entre aqueles com tendência pró-Cunha, anti-Cunha e os indefinidos.
Nesse sentido, a decisão do presidente de aceitar o bloco atual como o que vale para o sorteio favoreceu Cunha pois permitiu que mais deputados com posição favorável a ele possam tentar relatar seu caso. A partir desta segunda, começa-se a contar os 90 dias úteis de duração do processo contra Cunha.
A previsão é que a apreciação do caso só seja concluída entre março e abril do ano que vem devido ao recesso parlamentar e feriados, como o do Carnaval. No PT, partido da presidente Dilma Rousseff, o entendimento é de que a conclusão do caso de Cunha somente no ano que vem aumentam as chances de o governo conseguir aprovar medidas de ajuste fiscal e esfria o movimento pró-impeachment, que pode ser desencadeado pelo peemedebista ao se sentir acuado.
"Para nós está muito claro que há duas prioridades: não ter o pedido de impeachment e o governo conseguir votar este ajuste", afirmou o deputado Zé Geraldo (PT-PA). Integrante do Conselho de Ética, ele avalia que Cunha tornou-se "indefensável". "Ele está muito anêmico, não tem mais fôlego para ser a ofensiva contra o governo, contra a Dilma e contra o PT", disse o petista.
Sua posição contraria a do seu partido que, na semana passada, aprovou uma resolução no Diretório Nacional em que fez críticas à atuação política de Cunha, mas não menciona em nenhum momento as denúncias de corrupção contra ele. A legenda também não defendeu a cassação do deputado no Conselho de Ética, como queria parte da bancada, sob o argumento de que não pode fazer prejulgamentos.
No Palácio do Planalto, a avaliação é que Cunha tem maioria no conselho e não vai deixar o cargo pela via "política". Por isso, a ordem é manter o diálogo "institucional" com o presidente da Câmara e segurar o PT, para que o partido não lidere a ofensiva contra o peemedebista. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, vai continuar fazendo a ponte com Cunha. No último mês, os dois tiveram pelo menos dois encontros para conversar sobre os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
O governo deve contar ainda com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na interlocução com o presidente da Câmara. Na semana passada, quando esteve em Brasília, Lula disse a interlocutores que iria procurar Cunha para conversar nos próximos dias. Outras lideranças do PMDB, como o vice-presidente Michel Temer, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), também devem ser procuradas pelo petista.
Até mesmo no PSDB, partido que vinha apoiando Eduardo Cunha na expectativa de que o peemedebista desse início ao processo de impeachment de Dilma, o entendimento é de que a situação do presidente da Câmara ficou mais crítica depois da divulgação de documentos que comprovam que ele e sua família têm contas secretas na Suíça. "Se todas as provas noticiadas forem para o Conselho, a situação dele fica complicada", disse o líder do partido na Casa, Carlos Sampaio (PSDB-SP).