Além de voltar às ruas para protestar, como ocorreu no último sábado em Belo Horizonte, quando criticaram o projeto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o atendimento a vítimas de estupro, as mulheres também recorrem cada vez mais à internet para defender seus direitos ou denunciar abusos. Nas últimas semanas, as redes sociais foram inundadas por relatos de mulheres, de todas as idades, vítimas de assédio sexual. Os depoimentos, muitas vezes chocantes e dolorosos, revelam que esse abuso é muito mais corriqueiro do que muita gente pensa. A campanha começou há duas semanas depois que a participante de um reality show de culinária Valentina Schulz, de apenas 12 anos, foi vítima de assédio sexual depois que estreou na televisão em rede nacional. Os absurdos dos comentários dirigidos a Valentina levaram o coletivo feminista Think Olga a lançar nas redes sociais uma campanha incentivando as mulheres a contarem sobre a primeira vez em que foram assediadas.
O levantamento do coletivo coincide com pesquisa recente feita pela ONG ÉNois Inteligência Jovem – em parceria com os institutos Vladimir Herzog e Patrícia Galvão – que revela que 94% das mulheres brasileiras já foram assediadas verbalmente e 77% sexualmente. Feito em julho deste ano, o levantamento ouviu 2.285 mulheres de 370 cidades brasileiras, entre 14 e 24 anos. Entre os relatos mais comuns estão assédio no transporte coletivo, apalpadas e beijo forçado em locais públicos e baladas. Desde o ano passado, o abuso sexual infantil é considerado hediondo e o assédio sexual é crime desde 2009.
Mas o problema é que a maioria das agressões – que são verbais ou atos obscenos – não é considerada crime, apenas contravenção. Projeto em tramitação na Câmara dos Deputados transforma esse tipo de assédio em crime, inclusive com prisão. A proposição está parada desde o ano passado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O texto já tem parecer favorável, mas ainda não foi votado. O projeto começou a tramitar depois que a atriz Marina Ruy Barbosa foi assediada em público por um fã, que tentou filmar sua calcinha com um celular. Nos depoimentos surgidos pelas redes sociais, esse tipo de abuso é um dos mais comuns. Eles também são a grande maioria no mapa do assédio do projeto “Chega de Fiu-Fiu”.
Desabafo
Caso, por exemplo, do relato da atriz Letícia Sabatella que aderiu à campanha sobre o #meuprimeiroassédio e contou ter sido vítima aos 12 anos. Segundo ela, ao voltar de uma aula de balé, foi parada na rua por um homem que pedia informação sobre a localização de uma rua. Ao se aproximar do veículo para ajudá-lo, ele estava com o órgão sexual à mostra. A atriz conta que pegou um tijolo para jogar nele, o que acabou afugentando o agressor.
Mas os casos de assédio sexual também são elevados e os depoimentos que estão sendo veiculados chocantes. Uma internauta, também vítima de assédio, resolveu compilar os casos em uma página criada por ela no Facebook há uma semana. Batizada de “Primeiro Assédio”, ela conta que já recebeu cerca de 200 depoimentos. “Alguns são tão tristes que fico emocionada”, conta a estudante de enfermagem Luiza (nome fictício), de 17 anos, vítimas de assédio dos 11 aos 14 anos pelo padrasto. “Eu sempre tive vontade de contar minha história, desabafar, e essa campanha que rolou na internet acabou ajudando”. Luiza conta que sofreu abuso do padastro, mas que só teve coragem de contar para a família depois de três anos. “Mas nem minha mãe acreditou em mim. Só a minha avó, que morreu logo depois. Sofri muito, mas amadureci com essa tristeza e hoje não tenho mais culpa. Antes achava que o problema era comigo”.
O padrasto ainda mora na mesma casa que ela. “Mas hoje nem olho para ele. Só tenho nojo. Muito mesmo.” Segundo ela, apesar de ninguém ter acreditado em seus relatos, os abusos cessaram depois que ela expôs o caso. Para ela, um dos grandes problemas do assédio na infância é que a família muitas vezes não acredita. “Ou finge que não acredita quando o agressor é uma pessoa conhecida ou da família.” Por isso, segundo ela, é importante que todas essas histórias venham à tona. “As mulheres estão tendo coragem de denunciar tudo isso e lutar para que não mais aconteça.”
O drama do assédio/depoimentos voluntários das vítimas
Tenho 17 anos e estou terminando o 3º ano do ensino médio. Há mais ou menos um ano, um professor começou a me assediar. Ele me enviava e-mails por uma conta fake falando sobre sonhos eróticos que tinha comigo, vivia me abraçando pelos corredores (e isso era até normal, porque ele abraçava todos os alunos). A diferença é que ele falava coisas no meu ouvido, como ‘Estou louco pra pegar nos seus seios’ ou ‘Você está a cada dia mais gostosa’… coisas assim, e eu ficava superconstrangida e tinha medo de que ninguém acreditasse em mim ou de contar pra alguém, porque eu não tinha como provar que ele fazia isso. Há três meses saí da escola.” J. C.
“Quando eu tinha 19 anos, fazia cursinho pré-vestibular no Centro de Belo Horizonte. Para chegar lá, eu (e muita gente) tinha que passar por uma passagem entre uma banca de jornal e um prédio – ou era isso ou caminhar na avenida. Um dia, na hora do almoço, passando por ali, percebi alguém sussurrando no meu ouvido grosserias de baixíssimo calão, que nem me atrevo a repetir. O amontoado de gente não andava e foi me dando medo daquele homem me passar a mão. Então, tomada de raiva e indignação, forcei a passagem e, assim que saí do espaço apertado, bati nele com toda a força usando meu caderno. No entanto, ele começou a me xingar e me estapear na cara – logo depois, saiu correndo na direção contrária.”Janaína
“Era uma calourada de um curso universitário. Uma certa hora, um cara chega pra mim, já se impondo, querendo me beijar. Eu disse que não. Ele insistiu. Continuei dizendo que não e ele continuou a insistir. Quando eu consegui sair dele, ele começou a me xingar: ‘Piranha, essa menina é uma piranha’.” L. B.
Uma história de desafios
7 de dezembro de 1940
Código Penal (Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940) diz que não se pune aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante e se a gravidez é resultado de aborto e houver consentimento da gestante
18 de agosto de 1960
A primeira pílula anticoncepcional é lançada em 1960, nos EUA. No Brasil, chegou três anos depois. É considerada uma das propulsoras da revolução sexual, garantindo a liberação da mulher para o sexo sem o risco de gravidez indesejada.
23 de junho de 1977
Congresso Nacional aprova a Lei do Divórcio, que permite ao homem e à mulher, alvo de preconceito, se casar novamente.
7 de agosto de 2006
Lei Maria da Penha: A Lei 11.340, inspirada na farmacêutica Maria da Penha, que se tornou símbolo da luta contra a violência contra a mulher no país, estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
14 de abril de 2015
Prefeitura de São Paulo sanciona a Lei 16.161, que estabelece multa de R$ 500 ao estabelecimento que proibir ou constranger a mulher que amamentar seu bebê em público.