Depois de se envolver em denúncias de corrupção e ter suas contas secretas na Suíça reveladas pelo Ministério Público daquele país, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu, com sua postura conservadora, reacender a luta das mulheres no Brasil. O estopim foi um projeto de lei de sua autoria que dificulta o atendimento das vítimas de estupro no sistema de Saúde e torna mais restrito o aborto legal para aquelas que ficarem grávidas em razão da violência sofrida. Resultado: Cunha levou, desde a última semana, milhares de mulheres às ruas para lutar, como há tempos não se via, pelas suas conquistas. Nenhum direito a menos é o novo mote da pauta, que com a personalização do risco do retrocesso no peemedebista, ganhou também o nome de Fora Cunha, frase que tem sido constante nos cartazes dessas manifestações pelo país.
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Mulheres denunciam nas redes sociais abusos sexuais Associação que defende direitos da mulher denuncia Cunha à OEADeputada da bancada feminista admite ir ao STF contra lei aprovada na CâmaraA professora Sara Azevedo, de 30 anos, do Coletivo Juntas, que tem organizado manifestações contra o projeto e pelo Fora Cunha, afirma que o grau de instabilidade atual fez as pautas do movimento feminista mais fortes.
Para Sara, está havendo uma “nova primavera das mulheres” e a pauta é extensa. Elas já vinham debatendo a legalização do aborto e o direito da mulher de usar a roupa que quiser, luta que ficou conhecida desde 2011 quando explodiu no Canadá a Marcha das Vadias. Batalham também por direitos e salários iguais no mercado de trabalho. Depois do ato que teve apoio de cerca de 200 pessoas na Praça da Liberdade, no sábado, as Mulheres contra Cunha discutem a possibilidade de fazer mais um protesto na capital mineira. “Foi dada a largada, a gente espera crescer e principalmente derrubar o Cunha, que representa tudo isso que vai de encontro aos nossos direitos”, disse.
RETROCESSO A geógrafa Neusa Melo, de 57, da Rede Feminista de Saúde, considera que o país vive um momento de retrocesso absoluto na questão do direito das mulheres.
Outro projeto considerado prejudicial às mulheres é o Estatuto da Família, também aprovado em comissão da Câmara. Por ele, a produtora cultural Irlana Toledo Cassini, de 29, mãe solteira que cria a filha em uma casa coletiva, não se enquadra na definição familiar. “Quem defende isso vive em um mundo que não é o mesmo que a gente está. Embora as famílias sejam geridas muito em torno do feminino, a gente sabe que chega a ser mais raro uma criança ser criada por um pai e uma mãe, principalmente os biológicos, do que qualquer outro formato”, disse.
Análise da notícia
Mulheres dão exemplo
Paulo Nogueira
Enquanto o governo e o Congresso deixam o país em banho-maria e a população perplexa diante da paralisia da economia e da troca de acusações de corrupção, as mulheres dão exemplo contra a inércia. Além do grito nas ruas, elas contam cada vez mais com as redes sociais para denunciar o preconceito, o machismo e o abuso sexual. O feitiço se volta contra o feiticeiro, como diz o velho ditado, e tende a punir quem usa o anonimato na rede virtual para cometer crimes.