Acusado de participar da Chacina de Unaí, o ex-prefeito de Unaí Antério Mânica disse que o envolvimento dele no crime "é um grande equívoco do Ministério Público" diz, ao ser interrogado durante julgamento, previsto para terminar nesta quinta-feira. Antério é irmão do fazendeiro Norberto Mânica, conhecido na cidade do Noroeste mineiro como o 'Rei do Feijão'. O fazendeiro foi condenado na última sexta-feira (31/10) a 100 anos de prisão, ao ser considerado o mandante do assassinato a tiros de três fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho e Emprego.
"Não tenho nada com esse crime. Norberto não é Antério. Norberto é meu irmão. Os Manicas são cinco produtores rurais com fazenda distintas", afirmou. Antério diz, com voz de choro, que nunca esteve no posto após o crime. "Não era eu. Não tem um telefonema pra mim antes ou depois do crime", afirmou.
Segundo Antério, as multas aplicadas contra ele pelos fiscais eram relativamente baixas: R$ 21 mil, quitadas entre 2000 e 2004. "Tenho devedores que me deram prejuízos muitos maiores com devedores. Mandar matar não é o caminho. Sem dúvida esse crime é uma barbárie", reforçou. Ele negou que tivesse "tremedeira" ao ver os fiscais do Trabalho. "Tremedeira é uma forma de dizer. Insatisfação, não! Até porque a fiscalização era rigorosa", justificou.
O ex-prefeito afirmou ter ligado para a Subdelegacia do Trabalho depois das mortes apenas em busca de informação. Ele também falou sobre sua trajetória política e contou ter sido candidato a deputado federal em 1998, a prefeito em 2000 e 2004, quando foi eleito. "Política se faz todo dia", disse. Antério negou que, durante a campanha política, teria ameaçado seu oponente com a frase: "bala que mata fiscal também mata candidato a prefeito". "Nunca existiu isso. Não é meu perfil", afirmou.
Segundo ele, a acusação de assassinato não atrapalhou sua campanha política, quando foi eleito com 71% dos votos. "Unaí me conhece. Tenho 30 anos na cidade que sabe da minha conduta. As pessoas não admitiam que eu fizesse uma coisa dessas". Antério afirmou nunca ter brigado com o irmão Norberto, que se mudou para o Mato Grosso, depois de se separar da mulher e brigar com os filhos.
Antério arrancou risadas da plateia quando negou que o cerealista Hugo Pimenta, que asisnou acordo de delação, tivesse feito sinal de positivo para ele depois de prestar depoimento ontem. "Acho que isso pode ser para a procuradora que tomou o depoimento dele de delação”, disse. O clima ficou tenso e houve bate-boca entre Mirian Lima e o fazendeiro, exigindo a intervenção do juiz. "O senhor me respeita", disse a procuradora. "A senhora me respeita também", rebateu Antério.
O fazendeiro confirmou que em 2007 foi procurado pela mulher de Humberto Ribeiro dos Santos, cujo processo prescreveu, para lhe pedir dinheiro. Ele negou, mas saiu com essa: "pensei que foi a procuradora que a mandou lá para fazer prova. A mulher do Humberto foi à prefeitura mandada por alguém", garantiu.
Pela manhã, foram apresentados vídeos do depoimento de Norberto Mânica, na Polícia Federal, logo após os assassinatos. Também foram apresentadas gravações de conversas de Norberto e Antério Mânica, por telefone, com funcionários das fazendas. O registro das conversas dos dois irmãos revela o alerta deles para a presença de fiscais do trabalho na região. Antério e Norberto pedem nestas ligações para os funcionários "se precaverem". O objetivo da acusação é mostrar que a família rastreava as movimentações de fiscais na região.
Entenda o caso
A Chacina de Unaí aconteceu em 28 de janeiro de 2004 e repercutiu mundialmente. Os auditores fiscais do Trabalho Erastótenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram mortos a tiros enquanto faziam uma fiscalização de rotina na zona rural de Unaí.
A Polícia Federal (PF) pediu o indiciamento de nove pessoas por homicídio triplamente qualificado: os fazendeiros e irmãos Antério e Norberto Mânica, os empresários Hugo Alves Pimenta, José Alberto de Castro e Francisco Elder Pinheiro, além de Erinaldo de Vasconcelos Silva e Rogério Alan Rocha Rios, apontados como autores do crime, Willian Gomes de Miranda, suposto motorista da dupla de assassinos, e Humberto Ribeiro dos Santos, acusado de ajudar a apagar os registros da passagem dos pistoleiros pela cidade.
Um dos réus, o empresário Francisco Elder, morreu no último dia 7, aos 77 anos. Apesar do crime ter sido cometido em 2004, os três primeiros responsáveis pela chacina de Unaí só foram condenados em agosto de 2013. Erinaldo de Vasconcelos Silva recebeu pena de 76 anos e 20 dias por três homicídios triplamente qualificados e por formação de quadrilha, Rogério Alan Rocha Rios a 94 anos de prisão pelos mesmos crimes e William Gomes de Miranda a 56 anos de reclusão por homicídio triplamente qualificado.