Regulamentação do lobby, fim do voto obrigatório, redução do número de deputados e senadores, bancadas de deputados federais com tamanho proporcional à população dos estados e disciplinar com mais rigor a prerrogativa dos presidentes da República para a edição de medidas provisórias. Essas são algumas das opiniões que encontram respaldo em mais de 70% dos advogados brasileiros, segundo pesquisa de opinião inédita realizada entre janeiro e junho deste ano pelo cientista político Bolivar Lamounier.Foram aplicadas 1.050 entrevistas com advogados das cinco regiões do país, selecionados entre os 986.512 profissionais cadastrados na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de acordo com o porte de seus escritórios
O trabalho traça um perfil das opiniões no âmbito jurídico, da política e da economia desses profissionais liberais. Embora eles participem intensamente de todos os momentos da história brasileira, desde a Independência do Brasil até as ditaduras, transições e a estabilidade democrática vividas pela República, pelo menos nesses temas não têm conseguido influenciar decisivamente o Congresso Nacional. A começar pela regulamentação do lobby, defendida por 73,5% dos advogados brasileiros – 16 propostas nesse sentido tentam avançar há 31 anos pela Câmara e Senado por meio de iniciativas isoladas sem jamais escalar as primeiras posições nas agendas de líderes. Recentemente derrotado no bojo de mais uma reforma política anunciada para inglês ver, o fim do voto obrigatório tem respaldo de 70,4% dos advogados brasileiros.
Para 82,1% da categoria, o Congresso Nacional deve encolher em tamanho, com a redução de três para dois do número de senadores por estado e Distrito Federal e de oito para quatro do número mínimo de deputados federais eleitos por estado. Na avaliação do cientista político Bolivar Lamounier, o grande apoio à diminuição das cadeiras é consequência do profundo desgaste político do Legislativo. “Podemos afirmar sem temor a erro que essa elevada parcela resulta muito mais dos ventos de descrédito que sopram atualmente na direção do Legislativo do que de uma reflexão demorada”, afirma.
Na cabeça dos advogados brasileiros, há também preocupação de limitação do poder da Presidência da República: 89,7% manifestam-se favoravelmente a um maior rigor na disciplina da prerrogativa para a edição de medidas provisórias. Não há, contudo, apoio a uma mudança no sistema de governo: apenas 34,7% sustentam a fórmula parlamentarista. A ampla defesa implícita ao regime presidencialista e o temor à concentração de poder no chefe do Executivo são combinações classificadas pelo cientista político de “curiosas”. Ainda na mesma linha de raciocínio estão as avaliações dos advogados em relação a fatores que consideram de risco à estabilidade do atual regime constitucional: 79,6% afirmam ser grave o desequilíbrio entre poderes, com o Executivo em posição de predomínio. Ao pensar a distribuição da representação política dos estados brasileiros na Câmara dos Deputados, os advogados guardam uma ótica estritamente federalista: 82,7% consideram que deve ser mantida a exata proporcionalidade entre as cadeiras e as respectivas populações. Diferentemente, a Constituição de 1988 manteve a orientação em vigor desde a década de 1970 estabelecendo o tamanho máximo e mínimo de bancadas estaduais, como forma de contrabalancear o peso econômico e populacional sobre a representação política de regiões, como a Sudeste – em particular São Paulo – sobre as demais, como Norte e Nordeste.
DOAÇÕES DE CAMPANHA Se boa parte da reforma política que desejariam os advogados brasileiros não saiu do papel, a categoria marcou um tento considerável, que modificará o perfil das eleições em todos os níveis de governo: a proibição da participação de empresas no financiamento das campanhas. Não foi pela via congressual, mas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) interposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Para 60,3% da categoria, não apenas devem ser vedadas as contribuições de empresas, como o financiamento das campanhas deve ser exclusivamente público. Atualmente, o financiamento é misto e, até as eleições de 2014, mais de 70% das contribuições foram de pessoas jurídicas. A partir do ano que vem, o financiamento só poderá ser feito por pessoas físicas – o que não é tradição no Brasil – e pelos mecanismos públicos já conhecidos como o horário eleitoral gratuito e a distribuição dos recursos pelo Fundo Partidário.
Crise econômica e o regime democrártico
Não apenas o desequilíbrio entre poderes, com o predomínio do Executivo sobre os demais, é avaliado por ampla maioria dos advogados brasileiros com potencial para levar à ruptura do regime constitucional. Para mais de 80% da classe, uma eventual e intensa crise econômica que provoque forte queda do emprego e da renda e a penetração do crime organizado no país podem, igualmente, trazer abalos institucionais à democracia brasileira.
A categoria se posicionou com relativa coesão também considerando ameaças ao regime democrático “a cultura política impregnada de valores antidemocráticos” (78,7%), “os altos índices de criminalidade violenta” (76,6%), “a proliferação desordenada de partidos políticos” (73,7%), aliada a uma “tradição de ingerência militar no governo, realimentando a debilidade do poder civil” (65,7%). Parecendo desconhecer que segmentos importantes da classe média brasileira atuaram em apoio a vários golpes, inclusive ao de 1964, 61,9% percebem como fator de risco a “inexistência de uma classe média atuante e robusta”.
Solicitados a se posicionar no clássico espectro ideológico do tipo direita-esquerda, os advogados brasileiros se distribuíram de forma quase homogênea entre os extremos – esquerda e direita – e os pontos intermediários – centro-esquerda e centro-direita. Entretanto, quando foram considerados dentro da categoria os advogados docentes em contraposição aos de escritórios, foram verificadas diferenças na forma como eles se descrevem: enquanto 61,1% dos advogados docentes se consideram de esquerda (22,8%) ou de centro-esquerda (38,3%), aqueles que atuam em escritórios pequenos (entre um e cinco profissionais) invertem essa frequência: 35% afirmam ser de esquerda (11,1%) ou de centro-esquerda (23,9%) e 46,1% se posicionam à direita (18,9%) ou centro-direita (26,7%). Quanto maior o escritório de direito, mais cresce a incidência daqueles que se autodeclaram de centro-direita.
Essa contraposição entre docentes mais à esquerda e advogados que estão na ativa mais à direita salta com mais nitidez quando eles se manifestam em relação à pauta de temas polêmicos, que hoje divide a sociedade brasileira. De um lado, professores tendem a posições consideradas mais progressistas, com baixo apoio à redução da maioridade penal para 16 anos (28,6%) e à pena de morte (12,9%). Por outro lado, em média, respectivamente, 65,6% e 27,7% dos advogados da ativa defendem as duas teses. Advogados professores também tendem a apresentar maior apoio à descriminalização do aborto e das drogas e maior apoio à política de cotas raciais (veja quadro).
Quando os temas da pauta são legalização da eutanásia, percepção de que o Brasil é um país racista e o fim do ensino superior gratuito para alunos que comprovadamente podem pagá-lo, há alto consenso na categoria de advogados, entre 65% e 75%.