O bate-boca surdo em torno da “confiança mútua” entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o vice-presidente Michel Temer (PMDB) ao longo das últimas 72 horas dá o tom do nível de tensão entre a mandatária e o primeiro nome na linha sucessória. Embora saiba que Temer cobiça a sua cadeira e, pode estar, em silêncio, articulando para obtê-la, Dilma deixa clara a expectativa de uma manifestação pública de seu vice constitucionalista contra o processo de impeachment. Por seu turno, Temer tem certeza de que Dilma tem razões para não confiar nele: esse é o clássico jogo movido à expectativa do poder. Entre idas e vindas da desconfiança mútua, para distensionar a relação, Dilma tratou de chamar para si a conversa com o seu vice, agendada para essa segunda-feira (7) à noite, conforme informou a própria presidente em entrevista coletiva no início da tarde.
CARTA Mas, em vez do encontro, ela recebeu apenas uma carta dele. Depois de manter silêncio em relação ao pedido de impeachment e de desmentir declarações de fontes do Palácio do Planalto em relação a ele, Temer enviou uma carta de três páginas a Dilma. No documento,
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Em carta a Dilma, Temer aponta desconfiança do governo quanto a ele e ao PMDBTemer apresenta plano do PMDB a empresários em São PauloPadilha diz que conspiração não cabe em seu vocabulário e nem no de Temer'Não tenho porque desconfiar um milímetro dele', diz Dilma sobre TemerLeia a íntegra da carta de Temer a DilmaCarta de Temer lidera no Twitter e já tem perfil na rede socialTemer diz a membros do PCdoB que já deu sua contribuição ao governoPara presidente do PMDB do Rio, partido deve chegar ao Planalto 'pelo voto'Temer autorizou mesma manobra usada por Dilma e citada em pedido de impeachmentPelo twitter, o vice-presidente negou, por meio da assessoria, que tenha dado publicidade à carta. “Em face da confidencialidade, (Michel Temer) surpreendeu-se com sua divulgação”. E continua: “Diante da informação de que a presidente o procuraria para conversar, Michel Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da desconfiança que o governo tem em relação a ele e ao PMDB. Ele rememorou fatos ocorridos nestes últimos cinco anos, mas somente sob a ótica do debate da confiança que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo país. Não propôs rompimento entre partidos ou com o governo. Exortou, pelo contrário, a reunificação do país, como já o tem feito em pronunciamentos anteriores.
Até o fim da noite, o Planalto não havia se manifestado sobre a carta
ALIADOS Temer tem evitado, enquanto puder, falar contra o impeachment e continuará incentivando os seus aliados mais próximos a trabalhar nessa direção. Nos bastidores, o vice conversa com a oposição. Com o PSDB, não quer assumir o compromisso exigido de não concorrer à reeleição em 2018, caso o desfecho do processo não seja favorável à petista. Ao mesmo tempo, sabe que não faz bem à imagem de um vice conspirar abertamente. Por isso, submergir da cena, embora muito presente nela, é a palavra de ordem: posa de esfinge e manda o explosivo recado por interlocutores instruídos a “vazar” a declaração: “Ela nunca confiou em mim”.
A resposta do peemedebista à primeira declaração da presidente de sábado à tarde, de que espera “integral confiança” de seu vice, já dava a entender o seguinte: “não há confiança, não há compromisso”. A tréplica da petista não demorou. Em coletiva, Dilma declarou frisando cada palavra: “Confio e sempre confiei. Prefiro ter a posição que sempre tive: ele sempre foi extremamente correto comigo e tem sido assim.
A confiança é um substantivo que só emerge em discussões das relações em que está ausente. Nos Estados Unidos, a ideia de que o que separa um presidente do vice é “uma batida de coração” é recorrente. Itamar Franco pensou nisso quando, no carro oficial a caminho da posse como vice de Fernando Collor. A interação entre titulares e vices sempre foi tão conturbada que, a rigor, relações como a de José Alencar Gomes da Silva com o titular Luiz Inácio Lula da Silva e de Marco Maciel com Fernando Henrique Cardoso tornam-se honrosas exceções nas noites das facas longas que povoam a cena política. (Com agências)
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