Jornal Estado de Minas

Dilma quer enquadrar o vice Michel Temer

- Foto:
O bate-boca surdo em torno da “confiança mútua” entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o vice-presidente Michel Temer (PMDB) ao longo das últimas 72 horas dá o tom do nível de tensão entre a mandatária e o primeiro nome na linha sucessória. Embora saiba que Temer cobiça a sua cadeira e, pode estar, em silêncio, articulando para obtê-la, Dilma deixa clara a expectativa de uma manifestação pública de seu vice constitucionalista contra o processo de impeachment. Por seu turno, Temer tem certeza de que Dilma tem razões para não confiar nele: esse é o clássico jogo movido à expectativa do poder. Entre idas e vindas da desconfiança mútua, para distensionar a relação, Dilma tratou de chamar para si a conversa com o seu vice, agendada para essa segunda-feira (7) à noite, conforme informou a própria presidente em entrevista coletiva no início da tarde.

CARTA Mas, em vez do encontro, ela recebeu apenas uma carta dele. Depois de manter silêncio em relação ao pedido de impeachment e de desmentir declarações de fontes do Palácio do Planalto em relação a ele, Temer enviou uma carta de três páginas a Dilma. No documento,

desabafa sua insatisfação em relação ao lugar reservado para ele no governo desde que assumiu o cargo em 2011.  Temer enumera uma série de episódios nos quais se sentiu “escanteado” das decisões governamentais e encerra dizendo que ela não confia nele nem no PMDB. Em que pese o tom forte da carta, o vice-presidente ressalta que a carta não é uma declaração de rompimento com o governo Dilma, mas uma preparação para as conversas com a presidente.
Temer destaca que, desde a semana passada, Dilma tem feito declarações públicas dizendo que confia em seu vice. Na avaliação do peemedebista, no entanto, o tom da fala da presidente levanta a desconfiança de que ela não confia nele.

Pelo twitter, o vice-presidente negou, por meio da assessoria, que tenha dado publicidade à carta. “Em face da confidencialidade, (Michel Temer) surpreendeu-se com sua divulgação”. E continua: “Diante da informação de que a presidente o procuraria para conversar, Michel Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da desconfiança que o governo tem em relação a ele e ao PMDB. Ele rememorou fatos ocorridos nestes últimos cinco anos, mas somente sob a ótica do debate da confiança que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo país. Não propôs rompimento entre partidos ou com o governo. Exortou, pelo contrário, a reunificação do país, como já o tem feito em pronunciamentos anteriores.
E manterá a discussão pessoal privada no campo privado”.

Até o fim da noite, o Planalto não havia se manifestado sobre a carta

ALIADOS Temer tem evitado, enquanto puder, falar contra o impeachment e continuará incentivando os seus aliados mais próximos a trabalhar nessa direção. Nos bastidores, o vice conversa com a oposição. Com o PSDB, não quer assumir o compromisso exigido de não concorrer à reeleição em 2018, caso o desfecho do processo não seja favorável à petista. Ao mesmo tempo, sabe que não faz bem à imagem de um vice conspirar abertamente. Por isso, submergir da cena, embora muito presente nela, é a palavra de ordem: posa de esfinge e manda o explosivo recado por interlocutores instruídos a “vazar” a declaração: “Ela nunca confiou em mim”.

A resposta do peemedebista à primeira declaração da presidente de sábado à tarde, de que espera “integral confiança” de seu vice, já dava a entender o seguinte: “não há confiança, não há compromisso”. A tréplica da petista não demorou. Em coletiva, Dilma declarou frisando cada palavra: “Confio e sempre confiei. Prefiro ter a posição que sempre tive: ele sempre foi extremamente correto comigo e tem sido assim.
Não tem por que desconfiar dele um milímetro”.

A confiança é um substantivo que só emerge em discussões das relações em que está ausente. Nos Estados Unidos, a ideia de que o que separa um presidente do vice é “uma batida de coração” é recorrente. Itamar Franco pensou nisso quando, no carro oficial a caminho da posse como vice de Fernando Collor. A interação entre titulares e vices sempre foi tão conturbada que, a rigor, relações como a de José Alencar Gomes da Silva com o titular Luiz Inácio Lula da Silva e de Marco Maciel com Fernando Henrique Cardoso tornam-se honrosas exceções nas noites das facas longas que povoam a cena política. (Com agências)

.