Jornal Estado de Minas

Carta de Temer a Dilma permite muitas leituras

São muitas as interpretações que podem ser feitas da carta escrita pelo vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), à presidente Dilma Rousseff (PT), divulgada na noite de segunda-feira. Mas certo é que o texto em que o vice lamenta ser “decorativo” e “menosprezado” por Dilma tomou conta da cena política dessa terça-feira (8). Horas depois de divulgadas, as queixas do peemedebista ganharam o trending topics no Twitter com a hashtag #CartaDoTemer e um perfil na rede social. Muitos internautas postaram comentários bem-humorados e fizeram piadas em torno da crise entre PT e PMDB.


O governo não se manifestou oficialmente. Mas, nos bastidores, há quem diga que o texto indica o rompimento do PMDB com o Planalto. Diante dos holofotes, prevalece a turma do “deixa disso”. Entre eles, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que classificou a carta apenas como um “desabafo pessoal” do vice-presidente. “Michel Temer é alguém que desempenha papel importante no nosso governo, na articulação política.

É um democrata de larga tradição e sabe, assim como todos nós, que o momento é de baixarmos a temperatura. Não é o governo, é o país que está em jogo", disse. A grande expectativa para esta quarta-feira é a conversa agendada para o início da noite entre Dilma e Temer, no Palácio da Alvorada. Com o aval da presidente, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, procurou nessa terça-feira um assessor de Temer para marcar o encontro, o primeiro após a divulgação da carta. Desde quinta-feira os dois não se falam.

O ex-ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS), que deixou o governo na semana passada, considerou a carta uma espécie de “DR” (discussão de relação), e negou que o documento seja um indício de ruptura do PMDB com o governo. Mas admitiu que pode determinar o rumo de outos ministros do PMDB.  O político gaúcho falou ainda que a relação da presidente e do vice sempre foi educada, mas nunca calorosa, a ponto de “tomarem vinho ou chope juntos”.

O presidente do PMDB-RJ, Jorge Picciani, reagiu à carta. "Fico surpreso em ver como alguém que se sentia figurativo por quatro anos brigou para manter a aliança com o PT na eleição de 2014 e continuar figurativo”, ironizou.
Ele e seu filho Leonardo Picciani são citados na carta por terem negociado com Dilma espaço do PMDB na reforma ministerial, sem ouvi-lo. Leonardo Picciani (RJ) considerou que o documento revela que o vice não tinha interesse no "fortalecimento da bancada".

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), afirmou que a carta é uma declaração a favor do impeachment de Dilma. "Houve uma posição, sem rodeios, onde expõe, além da incapacidade administrativa, a falta de apoio político da presidente", disse. Para o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, a carta revela o afastamento “definitivo” entre o vice e a presidente. (Com agências)

Confira as queixas de Temer e o contexto de cada uma delas

“Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”
Desde o primeiro mandato o PMDB vem se afastando do governo e adotando no Congresso uma postura independente nos últimos meses.
Graças ao PMDB o Planalto amargou sucessivas derrotas no Legislativo, como a aprovação do orçamento impositivo (obrigando o governo a pagar as emendas parlamentares) e a criação de uma CPI da Petrobras. Na tentativa de consolidar a base, Michel Temer tornou-se articulador político de Dilma com o Congresso Nacional.

“ Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”
Sob o argumento que era alijado das discussões, o PMDB fez críticas à política econômica do governo Dilma e apresentou um programa que defende, por exemplo, a retomada das privatizações para enxugar a máquina do estado e o fim da correção de benefícios sociais pelo aumento do salário mínimo. O documento afirma ainda que o governo cometeu “excessos” e que o Brasil se encontra em situação de grave risco, em “profunda recessão” que deve continuar em 2016.

“A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil, onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone”
Até as vésperas da posse para o segundo mandato, Moreira Franco era tido como certo para continuar no comando da Aviação Civil. Mas a presidente Dilma optou por tirá-lo do cargo porque ele disse que a Operação Lava-Jato traria “profundas consequências” na gestão da Petrobras. As declarações de Moreira ocorreram na semana em que foi revelado que a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca havia alertado a então presidente da companhia, Graça Foster, sobre irregularidades na estatal. Dilma havia ordenado que os integrantes do governo defendessem Graça e sua manutenção no cargo. Temer tentou argumentar com Dilma para manter Moreira, mas ela não recuou.

“No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o governo fez a ele, ministro, retirando, sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta ‘conspiração’”

Substituto de Moreira Franco, Eliseu Padilha deixou o cargo na sexta-feira passada. Ao não ser recebido pelo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, para entregar a carta de demissão, Padilha optou por protocolá-la no Planalto. Nos bastidores, ele teria tomado a decisão por convicção política e lealdade ao vice, Michel Temer, de quem é forte aliado, e que estaria defendendo o impeachment de Dilma. Em relação à pasta que comandava, teria se irritado com o fato de a petista ter desautorizado a indicação de Juliano Noman para uma diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O nome dele teria sido rejeitado no Senado a pedido da presidente.

“Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos.
Realizamos mais de 60 reuniões de líderes e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação”

Michel Temer foi anunciado como coordenador político do governo no Congresso Nacional em 7 de abril deste ano. A meta do governo era aprovar as medidas de ajuste fiscal. Em 24 de agosto, depois de uma conversa com Dilma Rousseff (PT), o vice-presidente entregou as atribuições de articular político. A gota dágua teria sido o desgaste provocado por pronunciamento em que ele disse que “alguém tinha que reunificar o país”. Depois de ter sido criticado por petistas, a presidente Dilma disse que “nunca houve nenhuma desconfiança” em relação ao seu vice.

“De qualquer forma, sou presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu vice e presidente do partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado”
Em 2 de outubro, a presidente Dilma anunciou uma reforma ministerial com o corte de oito dos 39 ministérios e a redução de 10% nos salários dos ministros. Na ocasião, aceitou a indicação, feita por Leonardo Picciani, dos deputados federais Marcelo Castro (PI) e Celso Pansera (RJ) para as pastas de Saúde e Ciência e Tecnologia, respectivamente. Em razão da reforma, Edinho Araújo deixou o Ministério dos Portos. Em seu lugar assumiu Helder Barbalho, até então ministro da Pesca – pasta que foi incorporada ao Ministério da Agricultura.

“Democrata que sou, converso, sim, senhora presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar”
A MP 665 foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 6 de maio deste ano, por um placar de 252 a 227 votos. O texto era importante para o governo federal ao dificultar a obtenção do seguro-desemprego, do abono salarial e do seguro-defeso. Em 5 de agosto, depois de uma tensa reunião com aliados, o peemedebista disse que o Brasil precisava de alguém com a capacidade de reunificar o país e evitar uma “crise desagradável”. A polêmica fala foi usada no programa do PMDB de rádio e televisão, em setembro. A partir daí, ele passou a ser isolado das principais decisões do governo, o que culminou na saída da articulação política do governo no Congresso.

“Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o vice-presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me, o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que, numa reunião com o vice-presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as conversas começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o Vice-presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança”
Ao assumir o segundo mandato, a presidente teve um encontro com Joe Biden no Palácio do Itamaraty. Na saída da reunião, o americano comentou que a posse de Dilma era um novo início. “É um novo ano, um novo começo”, afirmou. Em discurso no Congresso, a presidente destacou a importância de fortalecer as relações entre os dois países. “É de grande relevância aprimorarmos nosso relacionamento com os Estados Unidos, por sua importância econômica, política, científica e tecnológica, sem falar no volume de nosso comércio bilateral”, afirmou na ocasião.

“Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa”
Em entrevista coletiva na quinta-feira passada, o ministro da Casa Civil Jaques Wagner disse que Temer e Dilma haviam conversado sobre o impeachment e que o vice-presidente teria dito não ver “nenhum lastro” para o processo de impeachment. O ministro Edinho Silva (Comunicações) havia dito que Temer daria assessoria jurídica a Dilma. O vice-presidente desmentiu as duas entrevistas. “Eu não disse isso em momento algum da minha conversa com a presidente”, afirmou Temer a Wagner. Sobre as declaraçõs de Edinho, foi taxativo: “Essa não é função do vice-presidente da República”.

“Até o programa 'Uma ponte para o futuro', aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança, foi tido como manobra desleal”
O PMDB lançou o programa durante congresso realizado em 17 de novembro. Escrito pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, o ex-secretário de Política Econômica Marcos Lisboa e o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Wellington Moreira Franco, o documento traz teses opostas às defendidas pelo PT. Entre elas, o fim do porcentual constitucional para despesas com saúde e educação e o término das indexações de benefícios sociais ao salário mínimo. O texto também atribuiu a crise atual aos gastos excessivos do governo nos últimos anos.

 

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