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Estado de Minas ENTREVISTA

"Falta compromisso ao governo e ao Congresso", diz jurista Gilson Dipp

Para ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, quando os poderes não cumprem seu papel constitucional há um excesso de judicialização da política


postado em 13/12/2015 06:00 / atualizado em 13/12/2015 08:50

(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Brasília
– O gaúcho Gilson Dipp, de 71 anos, é conhecido entre magistrados, investigadores e advogados como o criador das varas especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, ele tem o respeito e a admiração de juízes como Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato e a quem deu posse em Curitiba. Ao longo da vida profissional, Dipp atuou no STJ, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidiu a comissão de reforma do Código de Processo Penal e foi coordenador da Comissão Nacional da Verdade até setembro de 2012, quando, segundo as próprias palavras, “caiu doente” e passou seis meses seguidos internado num hospital da capital paulista. “Eu morri e voltei.”

Observador atento do atual cenário de crise no país, Dipp conversou com o Correio Braziliense/Estado de Minas durante quase duas horas na tarde da última sexta-feira num escritório de advocacia no início da Asa Sul, que passou a frequentar depois que se aposentou do STJ. “Há uma falta de compromisso do Congresso e do Executivo em executar o papel constitucional. Isso é uma deslegitimação, várias questões não são de ordem constitucional e você vê o Supremo tendo de discutir uma crise imediata”, disse ele, que ainda assim acredita que a decisão do ministro Edson Fachin de suspender a instalação da comissão do impeachment foi prudente. A seguir, os principais trechos da entrevista em que Dipp fala sobre a atual crise política.

Como avalia o atual momento do país?

Não tem quem possa dizer que não vê com extrema preocupação. Estamos vivendo uma crise nos três poderes. Legislativo, Executivo e desembocando no Judiciário. Há uma falta de efetividade de compromisso do Congresso e do próprio Executivo em executar o papel constitucional. Volta e meia têm de pedir ajuda ao Supremo. Isso é uma deslegitimação, várias das questões hoje não são de ordem constitucional e muitas vezes você vê o Supremo tendo de discutir uma crise imediata, política e econômica ou de disputa de poder. E aí vem a judicialização da política. E o Supremo tem limites. O STF não pode avançar onde não houver uma afronta direta e efetiva a uma norma constitucional.

O Supremo já não avançou?

O Judiciário age por provocação. Não é de agora, o STF vem legislando. Pelo que eu vi até agora, a medida liminar dada pelo ministro Fachin foi prudente para o momento. Há uma crise palpável, havia uma discussão sobre legitimidade da formação da comissão que vai analisar o impeachment, o voto secreto... Tudo isso com os ânimos acirradíssimos, a decisão foi prudente por suspender por uma semana para que o plenário examinasse o pedido.

Mas há uma expectativa de que não termine na próxima semana...
O ministro Fachin já disse que se não for examinado na quarta-feira, a liminar perde o efeito e volta a ocorrer tudo como antes. E assim é que tem de ser. O processo é do Legislativo, já temos precedentes, como no caso do Collor.

Não o preocupa que o ministro Fachin defina o rito?
Se isso ocorrer, o Supremo, como um órgão integrante dos três poderes, está se aproveitando da fraqueza do Congresso e legislando, sim. Mas isso se acontecer.

Estará extrapolando?

Ele pode dizer que a Constituição está ferida gravemente em determinado dispositivo. Agora, se recomendar o rito processual do julgamento do impeachment, que é jurídico, mas principalmente político, estaria extrapolando. E isso não é bom para o Congresso nem para o Supremo nem para o Brasil.

Eduardo Cunha tem legitimidade para comandar o processo?
Ninguém conhece melhor o regimento interno hoje do que o Eduardo Cunha. Essa vantagem ele tem sobre os seus pares. Aliás, três pessoas tiveram atuação destacada no Congresso porque conheciam o regimento interno. Nelson Jobim, José Genoino e Eduardo Cunha. Claro que os fatos noticiados que pesam contra ele são graves. Agora, ele está no exercício da presidência da Câmara. Não é o Eduardo Cunha, é o presidente da Câmara. É a pessoa que está exercendo a função. E, enquanto ele não for destituído, ele tem legitimidade jurídica. A legitimidade moral é questionável.

Há avaliações de que ele está usando o cargo para travar o processo contra ele.
O Congresso é feito de lideranças. Se o parlamentar “x” tem no seu âmbito de atuação um número de parlamentares que o apoiam, isso é também liderança. Pode questionar a ética, mas o Congresso é um só. Se há manobras regimentais –  e podem ter – decorrem também da inoperância daqueles que não conhecem o regimento. Ou não procuram conhecer ou não procuram agir. Quem o apoia são deputados também. Não é gente de fora, é gente do Congresso. A legitimidade é da função, e a função simplesmente foi um juízo de admissibilidade, que é meramente formal. Quem assinou pode assinar. Ele não está processado, os argumentos podem ser plausíveis. Só isso, isso é o juízo do presidente da Câmara agora. É claro que temos um presidente da Câmara desgastado, mas isso não tira a legitimidade.

Dá pra intuir que, na base governista, os parlamentares não confrontam Eduardo Cunha?

As ações que se vê no jornal, chamadas de manobras regimentais, continuam vigorando. Acho que há, vamos dizer, uma incompetência dos seus opositores em resolver. Não consigo ver de outra maneira. Ele não é rei, é o presidente da Câmara, podendo ser destituído. O problema está numa composição em que o Congresso, a Câmara não têm lideranças, forças para implementar políticas públicas na sua jurisdição. Está faltando liderança, competência para destituí-lo.

Por interesse, talvez?
Interesse tem, interesse políticos, partidários de ambas as partes.

Como o senhor vê o governo Dilma?
A base de sustentação político-partidária da presidente é muito ruim. E isso se explica por esse tipo de presidencialismo de troca de favores. Há 39 ministérios, e acho que a presidente não falou nem com a metade pessoalmente. A base de sustentação, além da composição partidária, é vulnerável. Não só politicamente, mas como o que foi apurado na Operação Lava-jato, em que 95% são ligados politicamente, são aliados ao governo. Qual é a base de sustentação do governo? Não é PT, PMDB, PP? Então, a presidente tem uma base ruim, que está, em tese, comprometida com acontecimentos que abalam a opinião pública. Isso a enfraquece muito.

O que isso significa do ponto de vista prático?
A presidente é uma pessoa séria, competente, não teve liderança política por enquanto, e isso não é demérito para ninguém, porque liderança não é uma coisa que se conquista, é quase uma coisa nata. Ela não teve liderança sobre o seu governo e sua base parlamentar de apoio. A gente sabe que, num momento em que fosse possível que a presidente pudesse dar uma orientação sua, pessoal, no mandato, ela poderia levar seu mandato com certa tranquilidade. Mas ela está envolta numa base de sustentação que a impede de governar. Como ela gostaria, acho que ela não tem como escapar de uma base que a sustenta, mas ela não detenha, não controle.

O melhor seria uma renúncia?
Veja bem, a crise política por si só não é motivo para afastar. Tivemos governantes ineptos em determinados períodos, e a crise política não é um elemento por si só para fazer com que ela se afaste. As dificuldades vão ocorrer com ou sem impeachment. O Brasil está fadado nos próximos anos a ter uma situação como essa, talvez um pouquinho melhor, pois os ânimos estão muito acirrados. Acho que está faltando sim legitimação política para governar. O que não quer dizer que não haja legitimação constitucional e legal. Isso está prejudicando o Brasil, o país parou. As forças econômicas e sociais estão desgastadas. Os próprios movimentos sociais, de sustentação, em tese, de governo fazem uma sustentação parcial porque são contra a política social que está sendo implantada. Então é em situação drástica. Não posso dizer que a renúncia resolveria. Seria injusto dizer isso, nem que o afastamento dela resolvesse todo e qualquer problema. Mas que a situação é grave, e que não está havendo competência, discernimento, do Executivo e do Congresso em pelo menos ter o mínimo de composição para que faça o governo funcionar, desencadeia uma crise que já está e vai ser maior.

Qual o peso que o senhor atribui à sociedade brasileira nesse imbróglio político? Manifestações contrárias ou a favor podem interferir no processo?
Sempre. A manifestação das ruas, popular, dos cidadãos, dos segmentos sociais, das organizações não governamentais influem decisivamente. E a Câmara e o Senado são compostos de representantes do povo, dependem do voto. Suas atitudes estão sob o crivo da crítica da população.

É por isso que o governo tem pressa em resolver?
Sinceramente, não sei o que é melhor ou pior para o governo. Não sei se o governo realmente quer isso. Porque pior do que hoje não vai dar. E melhor também eu não acredito. Essa crise vai se prolongar por algum tempo. Isso vem ainda do rescaldo do resultado das eleições, porque a presidente fez uma campanha cujo programa ela não pôde cumprir, ou descumpriu, posteriormente, mas que foi legitimado pelo voto da maioria.


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