Brasília - No pedido de afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de deputado federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresenta indícios de pagamento de propina em troca da aprovação de outra operação do FI-FGTS, o bilionário fundo de investimento gerido pela Caixa com dinheiro dos trabalhadores. Trata-se do aporte de R$ 571 milhões para empresa de energia eólica do Grupo Rialma, que pertence a Emival Caiado, primo do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). O valor correspondia a 49% da empresa.
"Em outras palavras: a anotação indica que Eduardo Cunha e Fábio Cleto cobraram propina em troca de liberação de verbas do FI-FGTS", afirma Janot. A anotação da agenda chegou à PGR no dia 9 de dezembro deste ano por meio de informações da Justiça do Rio de Janeiro em meio à "Operação Alcateia Fluminense", que apura fraudes na Receita no Rio de Janeiro.
Janot cita reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de outubro do ano passado, quando houve o primeiro aval para o aporte do fundo na usina. O comitê de investimento do FI-FGTS faz reuniões fechadas, cujo teor não é divulgado à imprensa. O jornal já ressaltava a influência de Cleto no comitê, onde pediu retirada de projetos de pauta e aprovações de outros itens como "moeda de troca" com o governo.
Segundo Janot, a anotação coloca Cleto e seu padrinho Cunha em situação "muito semelhante" aos fatos narrados pelos delatores Ricardo Pernambucano e Ricardo Pernambucano Junior. Donos da Carioca Engenharia, eles disseram que pagaram R$ 52 milhões em propina para a liberação de uma operação com recursos do FGTS na Caixa. O pagamento foi feito em 36 prestações em contas na Suíça e em Israel. Esse caso foi revelado nesta quarta-feira, 16, no site da revista Época.
A propina paga a Cunha tinha como finalidade a aprovação de uma operação que permitiu levantar recursos de uma vez só para a revitalização do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. O consórcio responsável pelas obras recebeu R$ 3,5 bilhões de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a poupança forçada que todo trabalhador brasileiro é obrigado a fazer.
Os dados levantados pela PGR indicam que Cunha vendia "facilidades" na Caixa porque tinha o aliado Fábio Cleto como braço-direito no banco estatal. Ele atuava de acordo com os interesses do parlamentar, mesmo quando esses iam de encontro ao que queria o governo. Foi o próprio presidente da Câmara, segundo o relato dos dois delatores, que acertou e cobrou a propina.
A Carioca Engenharia é sócia da Odebrecht e da OAS na concessionária Porto Novo, responsável pela revitalização da zona portuária do Rio. Em abril de 2011, um fundo imobiliário de gestão da Caixa comprou o lote todo de títulos da região portuária e desembolsou de uma vez R$ 3,5 bilhões de dinheiro dos trabalhadores.
A operação tinha como objetivo financiar as obras na região, estimadas em R$ 7,5 bilhões - o restante seria levantado pela Caixa com a revenda de papeis no mercado para os interessados nos imóveis comerciais da região. Com a desvalorização imobiliária, o FGTS precisou liberar mais R$ 1,5 bilhão para a conslusão das obras da revitalização.
Cleto sempre foi considerado "o cara de Cunha" na Caixa. A presidente Dilma o exonerou na semana passada. A informação era de que se tratava de uma retaliação ao presidente da Câmara, que aceitou o pedido de impeachment contra a petista. Na semana seguinte, porém, foi autorizada operação de busca e apreensão na casa de Cleto, em São Paulo, e surgiram novos indícios da ligação dele com o presidente da Câmara.
Para a PGR, o pagamento de suborno a Cunha e Cleto para a aprovação de projetos no FI-FGTS também é confirmada com as mensagens de "negociações ilícitas envolvendo liberação de verbas do fundo" encontradas no celular do ex-diretor da OAS, Leo Pinheiro.
Janot cita outra matéria do jornal O Estado de S. Paulo sobre a pressão do Cunha para emplacar o afilhado na vice-presidência da Caixa responsável pela gestão do FI-FGTS, justamente para ampliar a influência dele no fundo.
Em nota, a Caixa informou que a operação com o consórcio Porto Novo seguiu "todos os ritos normativos e de governança corporativa" do banco, passando por diversos comitês internos. O banco diz que determinou à corregedoria da instituição a instauração de apuração de todas as operações realizadas no projeto de revitalização do Porto Maravilha. Questionado, Cunha disse que não comentaria porque não leu a acusação.