Criada em 2010 graças a uma grande mobilização popular para barrar as candidaturas de políticos condenados pela Justiça, a Lei da Ficha Limpa está sendo questionada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por sua “retroatividade maligna”. O argumento é que a regra violaria direitos previstos no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, como o de disputar eleições sem restrições indevidas. Se a ação prosperar, os sentenciados antes de a Lei Complementar 135/2010 entrar em vigor podem ficar livres de impedimentos para disputar cargos eletivos.
A ação partiu de um ex-prefeito do interior de Santa Catarina. Depois de recorrer até ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar mais um mandato em Campo Erê, Odilson Vicente de Lima, que concorreu pelo PR em 2012, entrou com uma petição na corte internacional. Ele havia sido condenado em 2004 por desvio de recursos da prefeitura cometidos entre novembro de 1994 e maio de 1995. Chegou a conquistar mais um mandato em 2008, mas foi barrado em 2012 com base na mudança na lei das inelegibilidades em 2010.
Segundo o advogado Marcelo Peregrino Ferreira, um dos que assinam a ação do ex-prefeito, por ser signatário da convenção americana de direitos humanos, o Brasil precisa observar sua jurisprudência. “Ele foi impedido com base em uma decisão precária. Ainda que hoje obtenha uma vitória no STF, não conseguirá retornar ao cargo para o qual foi eleito com mais de 70% dos votos porque o processo eleitoral chegou ao fim”, argumenta. O advogado alega que o que levou à perda dos direitos políticos do cliente foi uma condenação cujo crime já está prescrito.
É a primeira vez que a lei brasileira está sendo discutida na OEA. Os advogados pedem uma liminar para que Odilson possa assumir imediatamente a Prefeitura de Campo Erê e receber todos os salários retroativos, inclusive férias, além de uma indenização por danos morais e do reconhecimento da violação dos seus direitos. “O que estamos discutindo é a retroatividade da lei, é uma lei que vai ao passado e fere a segurança jurídica e toda a jurisprudência da Corte Interamericana”, diz o advogado.
Sem efeito Cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos responsáveis pela mobilização do Ficha Limpa, o juiz Marlon Reis acredita que a ação não terá efeito sobre a legislação. “Esses advogados estão pecando em uma questão básica para o direito eleitoral, que é o fato de a inelegibilidade não constituir pena. É, na verdade, uma condição para a candidatura, portanto, não se trata de aplicar efeito retroativo, a norma do fato pretérito se refere a penas”, afirmou. De acordo com Reis, o que houve foi que, em 2010, as condições para concorrer a cargos eletivos se tornaram mais rígidas.
O juiz disse que a questão da retroatividade da Ficha Limpa já foi levada ao STF e rechaçada pela maioria dos ministros, que consideraram que inelegibilidade não é pena. Para Marlon Reis, é “impossível” que a norma sofra um revés. “É risco zero. Como imaginar que alguém que desviou verbas e foi condenado por improbidade tenha direitos humanos a defender em uma corte contra eleitores que foram privados de direitos humanos por deixar de receber esse recurso?”, questionou. Marlon Reis afirmou estar feliz por o assunto ter ido parar na OEA, já que, para ele, isso vai criar uma jurisprudência internacional e ajudar a disseminar a Lei da Ficha Limpa pelo mundo.