Marcado por grandes acontecimentos e avassaladoras emoções em Brasília, não dá para negar que 2015 vai ficar para sempre na memória dos brasileiros. As tensões tiveram seu ápice em 2 de dezembro, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acatou o pedido de abertura de processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Polêmica que foi parar no Judiciário e jogou para 2016 o desfecho do principal fato político deste ano. Até chegar ao processo de impeachment, no entanto, muitas nuvens carregadas escureceram o céu de Brasília e do país. Dilma viveu um inferno no primeiro ano de seu segundo mandato, com relações ruins com o Congresso, com o “aliado” PMDB e até com alas do seu PT inconformadas com os cortes do ajuste fiscal. O vice, Michel Temer (PMDB), ressentido por se sentir uma “figura decorativa” no governo, mostrou toda a sua mágoa com Dilma no final do ano, enviando a ela uma carta em que dá claros sinais de rompimento com o Planalto.
A relação entre o Executivo e o Legislativo talvez nunca tenha sido tão conturbada como em 2015. Prova disso é que, ao longo do primeiro ano do segundo mandato, Dilma colecionou derrotas sucessivas na Câmara dos Deputados. A primeira da série foi a própria eleição de Eduardo Cunha para o comando da Câmara, derrotando o candidato do Palácio do Planalto, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Desde que assumiu o cargo, em fevereiro, Cunha tratorou o que viu pela frente, impondo sua pauta de votações e minando a influência do Executivo sobre a Casa. Por meio de manobras, o peemedebista conseguiu aprovar textos repudiados pelo governo: a redução da maioridade penal; a obrigatoriedade do governo em renegociar as dívidas dos estados com a União; a proibição da concessão de empréstimos sigilosos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES); a terceirização de atividades-fim; e o financiamento privado de campanha – proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Propina Em meio ao fogo cruzado com a presidente Dilma, Cunha se viu envolvido nas investigações de pagamento de propina da Petrobras, deflagradas na Operação Lava-Jato. Acusado de ter recebido US$ 5 milhões de empresa para negociar contrato com a estatal, o peemedebista negou a existência de contas na Suíça durante depoimento na CPI das Petrobras – mentira que rendeu a ele a abertura de um processo disciplinar que pode agora levar à perda do mandato por quebra do decoro parlamentar. Há ainda um pedido de afastamento de Cunha do cargo, de autoria da Procuradoria-Geral da República (PGR), tramitando no STF. Assim como o pedido de impeachment da presidente Dilma, o caso vai ficar para o ano que vem.
Alvo do Ministério Público, Eduardo Cunha esperneou o quanto pôde, queixou-se de estar sendo perseguido e mirou sua metralhadora para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusando-o de agir politicamente para prejudicá-lo. Janot, na defesa que fez do afastamento do deputado de suas funções, rebateu chamando-o de “delinquente”. Como Cunha, o senador Fernando Collor de Mello, outro investigado na Lava-Jato, também vociferou contra Janot, chamando-o de “filho da p...” em pronunciamento da tribuna do Senado.
A Lava-Jato levou também a um ineditismo na história política do país: pela primeira vez um senador em exercício foi preso. O então líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), foi preso, sob a acusação de tentar atrapalhar as investigações da Polícia Federal e arquitetar a fuga do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, peça-chave no escândalo de corrupção. A prisão de Delcídio levou ao atraso na aprovação do projeto de ajuste fiscal, desarticulou ainda mais a base aliada no Congresso e ainda levou o governo para o centro das discussões da Operação Lava-Jato.
Brigas em plenário
Pancadarias e baixarias rolaram soltas na capital federal ao longo de 2015. Em abril, a presença inesperada de cinco roedores – um hamster, dois esquilos-da- Mongólia e dois ratos cinzas sem raça aparente – provocou tumulto e correria em reunião da CPI da Petrobras. Os animais teriam sido levados à sala por um funcionário da segunda-vice-presidência da Câmara, exonerado no mesmo dia. Os animais foram soltos logo que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, entrou no plenário. “O circo armado mostra o nível em que nos encontramos”, reclamou na ocasião o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), relator da CPI. Mal sabia ele o que estava por vir.
No início de dezembro, deputados federais e policiais legislativos saíram no tapa durante a votação para a escolha dos integrantes da Comissão Especial do Impeachment – anulada uma semana depois por decisão do STF. No saldo da sessão, urnas quebradas e cabines obstruídas por parlamentares que protestavam contra a votação secreta. Na reunião da Comissão de Ética da Câmara, mais um vexame público: Zé Geraldo (PT-BA) e Wellington Roberto (PR-PB) trocaram tapas e palavrões em rede nacional durante discussão sobre o painel de registro de presença na sessão que debateria o processo que pode levar à cassação de Eduardo Cunha.
Outro barraco que deu o que falar ocorreu num jantar promovido na casa do senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), com a presença de vários políticos, entre eles, o senador José Serra (PSDB-SP) e a ministra da Agricultura, Kátia Abreu. O evento foi marcado pelo copo de vinho lançado pela ministra no tucano após ouvir dele que é “namoradeira”. No Twitter, a ministra disse que “reagiu” ao comportamento de Serra após ele ter feito um comentário “infeliz, desrespeitoso, arrogante e machista”. O tucano rebateu: disse que foi mal interpretado e fez o comentário com a intenção de “elogio”.
Em meio a esse turbilhão, a população foi às ruas ao longo do ano para pedir o impeachment da presidente Dilma, para defender a sua permanência, para pedir o afastamento de Cunha, para protestar contra a corrupção e para exigir um país melhor. O ano acabou, mas, ao que tudo indica, ele é só o primeiro tempo de um jogo com muitos lances espetaculares, caneladas e talvez expulsões. A partida recomeça depois do intervalo, em meados de fevereiro, quando Congresso e Supremo voltarem de férias.