Jornal Estado de Minas

PEC da Bengala divide magistrados e motiva novo recurso ao STF

Sete des mbargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que se aposentariam nos próximos 12 meses por completar 70 anos, foram beneficiados com a Lei Complementar 152, de 3 de dezembro de 2015, que regulamentou a chamada PEC da Bengala (Emenda à Constituição 457/05), estendendo para todo o funcionalismo público – da União, estados e municípios – a aposentadoria compulsória para 75 anos. A primeira delas foi a desembargadora Heloísa Combat, que faz aniversário nesta quarta-feira. Por uma questão de dias, a desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade, última a se aposentar compulsoriamente, em novembro passado, deixou de se beneficiar da nova regra. Já em vigor e apaziguando velha demanda das entidades classistas de desembargadores de todo o país, a legislação, contudo, não agrada aos juízes, que se percebem prejudicados na progressão da carreira.


Classe dividida: de um lado, desembargadores querem se manter na ativa; do outro lado, juízes consideram um “congelamento” de cinco anos para eventuais promoções, já que a maioria das vagas na segunda instância se abre com a aposentadoria dos desembargadores por idade. No caso mineiro, por exemplo, todos os anos se aposentavam compulsoriamente entre 10 e 15 desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), segundo informação do desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Júnior, superintendente administrativo adjunto. Mas, para o ano que vem, sem as compulsórias, apenas dois desembargadores pretendem se aposentar – não por idade, mas por tempo de serviço: Rogério Alves Coutinho e Mariza de Melo Porto.

Inconformadas com a nova regra, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) voltaram a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) propondo uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o dispositivo da Lei Complementar 152. O relator é o ministro decano Celso de Mello. “É uma conquista do Estado democrático a autonomia e independência entre os poderes.

O Congresso legislou sobre matéria extensiva aos outros poderes, a carreira da magistratura principalmente, o que é inconstitucional”, sustenta o presidente da AMB, João Ricardo Costa. Segundo ele, se a regra for mantida, a carreira da magistratura ficará engessada, induzindo a um efeito perverso: “A partir do momento em que os juízes perceberem que não alcançarão a segunda instância, as aposentadorias por tempo de serviço irão ocorrer e serão mais precoces”, considera João Ricardo Costa. Para ele, o “atraso” de cinco anos na carreira terá um impacto determinante nesta decisão. “A maioria dos magistrados promovida ao Tribunal de Justiça tem, em média, 30 anos na carreira. E isso não é pouca coisa”, afirma João Ricardo Costa.

Enquanto no Brasil há cerca de 18 mil magistrados, em Minas Gerais são 1.033 na ativa. Em média, entre 5% e 8% se aposentam ao ano. No Tribunal de Justiça, a idade média dos 130 desembargadores é de 58,2 anos.
Enquanto metade deles tem entre 45 anos – André Luiz Amorim Siqueira é o mais novo – e 57 anos, a outra metade tem de 58 a 70 anos. Muitos desembargadores acreditam que a “corrida” à aposentadoria de juízes não ocorrerá porque, quando inativos, deixam de receber benefícios como o auxílio-moradia, no valor de R$ 4,3 mil, um mecanismo polêmico instituído pelo Conselho Nacional de Justiça para melhorar o salário daqueles que estão na ativa sem necessidade de equiparação com os aposentados. O subsídio do desembargador – que pelo menos na letra da lei, é o teto constitucional no estado – é de R$ 30,4 mil, o equivalente a 90,25% do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Erário

Os desembargadores contestam as alegações de “engessamento da carreira” e “corrida à aposentadoria de juízes” da AMB. “Esse é um argumento extremamente egoísta. O juiz quer chegar ao tribunal e quem está quer ficar no tribunal”, critica o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Bartolomeu Bueno de Freitas Morais, presidente da Associação Nacional de Desembargadores, entidade que vai pleitear junto ao STF ser amicus curiae. “Lutamos há oito anos para estender a idade-limite porque é do interesse público que os servidores, aos 70 anos, no auge de sua capacidade intelectual, continuem na atividade. Vamos lembrar que o país está quebrado e que a medida é boa para o erário”, afirma, considerando que a expectativa média de vida do brasileiro hoje é de 74,5. “Na prática, aqueles que têm acesso a hospitais vivem até 90 anos”, acrescenta.

Diferentemente da AMB, que espera obter nova vitória no STF sob o argumento de que a iniciativa dessta lei deva ser do órgão de cúpula do Poder Judiciário, os desembargadores sustentam já haver uma sinalização pela constitucionalidade de sua aplicação para a magistratura.

“Em duas sessões administrativas, o STF entendeu que, por se tratar de uma lei complementar, a matéria pode ser de iniciativa de qualquer deputado, da Presidência da República ou do STF”, diz Freitas Morais. Com ele, concorda o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Corrêa Júnior: “A tendência é de que o STF confirme o entendimento de constitucionalidade da lei, não apenas para o funcionalismo em geral, mas para todo o Poder Judiciário”.

 

Briga antiga com muitos rounds

Desembargadores e juízes travam uma queda de braço antiga, que vinha se arrastando há alguns anos, quando ainda cozinhavam no Congresso Nacional as tentativas de aprovação da PEC da Bengala, promulgada em maio passado, mas restringindo a aposentadoria compulsória aos 75 anos apenas aos ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU). Diante da “brecha” aberta pela PEC da Bengala, em vários estados, como Pernambuco, Ceará, São Paulo e no Rio de Janeiro, desembargadores às vésperas de completar 70 anos mantiveram-se nos cargos com base em decisões liminares dos órgãos especiais dos respectivos tribunais de Justiça que entenderam valer a regra para toda a magistratura.

A alegria dos desembargadores dependurados nas liminares durou pouco. Juízes representados por suas entidades de classe comemoraram a decisão do STF, ao julgar em maio a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta pela AMB e Anamatra, restringindo o aumento da idade de aposentadoria compulsória aos tribunais superiores. Em todos os estados, com a suspensão dos efeitos das liminares, desembargadores com 70 anos foram forçados a colocar o pijama. Mas o novo round na luta, desta vez com a vitória dos desembargadores, veio com a decisão do Congresso Nacional de derrubar o veto da presidente Dilma Rousseff a esse dispositivo da Lei Complementar 152. “Trabalhamos muito por isto”, sustenta o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Bartolomeu Bueno de Freitas Morais, presidente da Associação Nacional de Desembargadores.

 

 

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